Justiça
JUDICIÁRIO LAICO - PRÉDIOS DA JUSTIÇA SEM CRUCIFIXOS
A pedido de entidade que representa lésbicas, Conselho da Magistratura do TJ determinou a retirada de símbolos religiosos - HUMBERTO TREZZI, ZERO HORA 07/03/2012
Dentro de alguns dias, todos os crucifixos existentes em prédios do Poder Judiciário gaúcho serão retirados. A decisão do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça (TJ) é consequência de um pedido da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e outras entidades, como os grupos de defesa dos direitos dos homossexuais Somos e Nuances e a entidade feminista Themis.
Unânime, a decisão foi tomada ontem por cinco desembargadores. Foi uma medida administrativa que, em tese, ainda pode ser revista. Mas o TJ vai acatar o que decidiu o Conselho. Relator da matéria, o desembargador Cláudio Baldino Maciel defendeu em seu voto que um julgamento realizado em uma sala de tribunal, sob um símbolo de uma igreja e de sua doutrina, “não parece a melhor forma de o Estado se mostrar como juiz equidistante dos valores em conflito”. O magistrado afirmou que a Justiça deve resguardar o espaço público do Judiciário para o uso somente de símbolos oficiais do Estado:
– É o caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de um Estado laico, devendo ser vedada a manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos dos prédios.
O advogado Bernardo Amorim, do grupo Somos, fez a defesa da retirada dos símbolos religiosos. Ele lembra que, em novembro, o pedido tinha sido recusado pelo mesmo Conselho do Tribunal de Justiça.
– O Artigo 19 da Constituição Federal é claro, ao determinar a separação de Igreja e Estado – justifica Amorim.
O advogado diz que pedido semelhante foi feito à Câmara de Vereadores de Porto Alegre, à Assembleia Legislativa e ao Executivo Estadual. Ana Naiara Malavolta, da Liga Brasileira de Lésbicas (grupo que ingressou com a petição), admite que o pedido é uma resposta dos gays ao que consideram “perseguições sistemáticas movidas por fundamentalistas religiosos” em várias partes do Brasil.
– Muitos gays e lésbicas são impedidos de entrar em templos. Então, por que o símbolo de uma religião tem de predominar nos prédios da Justiça, se o lugar é frequentado por outros fieis e por ateus? – pondera Naiara.
Nos próximos dias, o TJ expedirá o ato determinando a retirada dos crucifixos.
ENTREVISTA. “Para quem faz mal um crucifixo?”. César Leandro Padilha, padrePadre da Paróquia Nossa Senhora da Saúde, em Porto Alegre, César Leandro Padilha critica a decisão do TJ. Para o coordenador da pastoral da comunicação da Arquidiocese de Porto Alegre , o direito da maioria não foi respeitado.
ZH – A igreja pôde opinar sobre a decisão do TJ da retirada dos crucifixos em prédios da Justiça Federal?
César Leandro Padilha – Não conversei com nosso arcebispo (dom Dadeus Grings), mas quando surgiu essa proposta a opinião da igreja é de que lei aprovada tem de ser cumprida. Mas a decisão está tirando uma coisa que historicamente já estava lá, sobretudo porque não estamos falando de uma maciça população que é cristã. Acho que faltou o respeito com isso.
ZH – Qual o simbolismo do crucifixo em locais públicos?
Padilha – É um sinal de fé que representa todo um compromisso ético, por isso ele está em uma sala de aula, em um tribunal. Onde se espera que o que está ocorrendo ali dentro tenha uma consonância.
ZH – Representantes de homossexuais acreditam que a decisão é uma resposta à igreja.
Padilha – A igreja católica acolhe os homossexuais, eles serão sempre bem-vindos. É uma pena que minorias não estejam respeitando a opinião dos outros.
ZH – No que influencia a falta do símbolo nestes espaços?
Padilha – Não acredito que alguém vai deixar de ser cristão por causa disso, mas uma pessoa cristã dentro de um tribunal se sentiria amparada na fé vendo uma imagem. Pergunto: para quem faz mal um crucifixo em uma sala do ambiente jurídico?
“O Estado tem de ser neutro” - Inácio José Spohr, professor de SociologiaCoordenador do Programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo da Unisinos, o professor Inácio José Spohr, mesmo sendo católico jesuíta, defende a decisão do TJ. Para ele, é importante que seja respeitada a diversidade de religiões
ZH – Como o senhor avalia a decisão do TJ?
Inácio José Spohr – Em princípio, estou de acordo com a decisão do Tribunal. O crucifixo que está ali, ao meu ver, está por tradição, não é porque define sentenças ou influi na forma do Judiciário trabalhar. A ideia de Justiça em geral tem forte embasamento na nossa cultura bíblica. Apenas acho que o método de fazer é um pouco drástico de uma hora para outra, atendendo um grupo de pessoas que pediram isso.
ZH – O senhor considera que seja uma forma de afastar a população da religiosidade?
Spohr – Creio que não, não é esta a ideia que me passa. De fato o crucifixo contempla as religiões cristãs e o Brasil evidentemente está se tornando um país multirreligioso.
ZH – Então essa decisão seria uma abertura para respeitar as outras religiões?
Spohr – O tema é mesmo a laicidade do Estado, ele tem a obrigação, o compromisso de ser neutro, por isso acho que não é algo antirreligioso.
ZH – O pedido foi feito por entidades ligadas à defesa de gays e lésbicas que não são aceitos pela igreja católica, por exemplo. Eles consideram essa decisão uma resposta à Igreja.
Spohr – Oficialmente, considero a medida legal dentro daquilo que o Estado pode e deve fazer, ao meu ver não é uma resposta contra as religiões.
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