Justiça
JOGO DE EMPURRA MANTÉM INOCENTE CONDENADO
HOMEM ERRADO. O inocente que continua condenado - HUMBERTO TREZZI, zero hora 21/04/2011
Vítima de um jogo de empurra-empurra entre autoridades da Polícia Civil e do Judiciário que já se arrasta por oito meses, homem condenado por engano sofre calvário para tentar limpar seu nome.
Ter o nome limpo. Andar pelas ruas sem medo de ser preso. Respirar com liberdade. Situações assim, normais para a maioria dos brasileiros, se transformaram em metas inatingíveis para o engenheiro mecânico gaúcho Luís André da Silva Domingues, 36 anos.
Há oito meses, ele tenta provar que não é o autor do arrombamento de uma agência bancária na cidade de Campo Belo do Sul, em Santa Catarina. Ele sequer estava lá na hora do crime, pois bateu cartão-ponto, no mesmo dia, na empresa onde trabalha, no Polo Petroquímico de Triunfo.
Na realidade, o seu nome foi usado pelo verdadeiro ladrão, conforme revelou ZH em reportagens publicadas em setembro de 2010. O próprio arrombador, arrependido, apresentou-se na Polícia Civil e declarou ser o verdadeiro autor do delito. Pois nada disso serviu, até agora, para que a Justiça reconheça que Luís André não é criminoso. Ele foi condenado pelo delito que não cometeu e continua nessa situação, nos arquivos judiciais.
O pesadelo kafkiano de Luís André não traz apenas danos psicológicos, como a insegurança permanente. Acarreta também problemas muito práticos. Um deles é que ele foi impedido de votar nas últimas eleições presidenciais. A 126ª Zona Eleitoral de Sapucaia do Sul, cidade onde ele reside, expediu certidão na qual consta que Luís André está com “suspensão de direitos políticos (condenação criminal), não podendo exercer o voto ou regularizar sua situação eleitoral enquanto durar o impedimento”.
E não há data para Luís André voltar a votar, já que a Justiça Criminal de Santa Catarina ainda não reconhece que ele foi vítima de um erro policial-judiciário. A permanência de Luís André no banco de dados de “condenados” traz um efeito-cascata de consequências imprevisíveis.
O mundo real desconsiderado
Ele quase não pôde se formar engenheiro, em dezembro, já que estava com compromissos eleitorais não quitados. Conseguiu mediante mandado judicial.
– Estava acertado com uma empresa catarinense para trabalhar, mas desistiram, depois de consultar meus antecedentes. Quem vai pagar por toda essa vergonha que estou passando, sem ter cometido o crime de que me acusam? – questiona Luís André.
O coordenador do Departamento de Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Alexandre Wunderlich, não tem dúvidas sobre quem vai pagar pelo drama de Luís André: todos os cidadãos, quando o Estado for condenado por erro judiciário. E alerta: quanto mais demora para limpar o nome do inocente condenado, maior será a indenização que o governo (e, por tabela, a comunidade) terá de bancar. Ele diz que a necessidade de respeitar o rito processual não desobriga a Justiça de ser rápida, em casos extremos, como esse.
– É a velha máquina de moer gente e reputações, trabalhando, emperrando a vida das pessoas. E isso que este caso lida com Justiças de dois Estados de Primeiro Mundo... Acho que o juiz deveria de imediato ordenar que o inocente fosse ouvido e seu bom nome, restaurado. O magistrado não deveria esperar pela burocracia, que, como vemos, só enxerga números e pouco liga para vidas reais – opina Wunderlich.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Este blog já vem apontando as várias mazelas dos sistemas judiciário e judicial brasileiro, tiradas das matérias e denúncias divulgadas amplamente nos jornais, em pesquisas da AMB e nos depoimentos da pessoas que trabalham nestas áreas. Apesar do problema conhecido e analisado, as soluções não ocorrem e o erros se acumulam junto com uma montanha de processos sem solução e vários presos sem julgamento.
A polícia pode ter errado, mas depois da pessoa ser presa, esta passar a ser de responsabilidade do Judiciário (processo), do Ministério Público (denúncia) e da Defensoria Pública (defesa). Estes poderes não podem ficar dependentes das polícias que cumprem função auxiliar da justiça. Entretanto, é o que ocorre no Brasil, onde a polícia parece, aos olhos da sociedade, a única responsável pela preservação da ordem pública, quando, na realidade, ela cumpre uma função apenas inicial em todo o processo, terminando quando ela detém ou prende em flagrante a pessoa autora de uma ilicitude, um ato que, para ser válido, deve ter o aval de uma autoridade judicial.
A dependência da polícia é uma das mazelas do judiciário. Até quando a sociedade irá tolerar e os magistrados continuarão aceitando um poder dependente, inoperante e injusto?
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