Justiça
ISOLAR O ÓDIO
ZERO HORA 03 de novembro de 2013 | N° 17603
ARTIGOS
Marcos Rolim*
A experiência democrática no Brasil é frágil. Grande parte de nossas instituições carregam uma herança de exclusão que se firmou na Casa Grande. Somos uma República de palácios onde se ignora o sentido da coisa pública e da igualdade perante a lei. Séculos de obscena desigualdade, marginalização política, racismo e violência formataram um aparato de Estado pouco transparente, incapaz como regra, corrupto quase sempre e naturalmente abusivo. Estes limites não se afirmam em abstrato, nem estão localizados no espaço metafísico definido por um eles. São, antes, marcas sociais e culturais que modelam a brasilidade. O Brasil, claro, é maior e mais complexo que seus limites. Ele é também suas histórias de resistência e solidariedade e a soma de seus sonhos por liberdade e justiça. A dificuldade, em cada momento, é saber o quanto a ação política realiza possibilidades virtuosas e o quanto reforça nossos piores pesadelos. Não há respostas evidentes para inquietações desta ordem e o próprio desafio ético na política só é equacionado como aposta, porque nunca podemos antecipar todas as consequências da ação. A ação política não se resolve pela afirmação dos princípios. Para além da disposição moral (rarefeita na cidadania e nos seus representantes), é preciso construir a intervenção no mundo considerando opiniões e interesses conflitantes e reduzindo as possibilidades de dano. O sujeito responsável pela ação política se obriga a reconhecer o outro e a legitimidade de seus pleitos, segundo a regra da democracia, o que se materializa no debate público em torno de alternativas políticas.
Ocorre que o debate público entre nós é esquálido e as ofensas, sempre mais prováveis que os argumentos. Também por isso, cresce a indisposição com o outro. A falência da instituição política e a falta de aptidão para as reformas construíram um vazio na experiência democrática. Neste espaço, a liberdade vaga sem rumo. Desprovida de uma plataforma onde ancorar seus desejos por mudança, a cidadania se dissolve. O que resta é a impotência e o desespero. O problema é que a impotência e o desespero possuem uma forma ativa e esta forma é o ódio. É preciso identificar as manifestações do ódio como ameaças reais. Não importa se este ódio é oferecido pelo imbecil engravatado ao seu lado para quem a polícia deve “cagar a pau” os suspeitos; se este ódio é o instrumento de trabalho dos covardes que torturaram e mataram Amarildo; se este ódio é o recurso manipulatório do espertinho que apresenta um programa mundo cão na TV; se é o culto homofóbico da esquina ou a intolerância no estádio de futebol ou se este ódio é destilado por um mal digerido anarquismo black bloc que vibra com o espancamento de um oficial da PM de São Paulo e com agressões a jornalistas.
A vertente anti-humanista da brasilidade não brota apenas do Estado, mas de toda a sociedade e, inclusive, do ideário daqueles que se imaginam “lutadores sociais” e que podem ser tão ou mais autoritários que seus inimigos. Por tudo isto, o Brasil precisa isolar o ódio. E rápido, antes que ele encontre sua alternativa política.
*JORNALISTA
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Entendi. O griffo é meu.
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