IMPUNIDADE E DESCRÉDITO - EXECUTIVO DESCUMPRE JUSTIÇA E NÃO PAGA SUAS CONTAS
Justiça

IMPUNIDADE E DESCRÉDITO - EXECUTIVO DESCUMPRE JUSTIÇA E NÃO PAGA SUAS CONTAS


Cerco aos precatórios - OPINIÃO, - O Estado de S.Paulo, 30/07/2011

Milhares de brasileiros que há anos esperam receber o que o poder público lhes deve, mas não paga - descumprindo sentença judicial da qual não cabe mais recurso -, começam a vislumbrar uma nova possibilidade de, afinal, dispor do dinheiro a que legitimamente têm direito. Criado há pouco mais de um ano por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já está em operação o Cadastro de Entidades Devedoras Inadimplentes (Cedin), no qual ficarão registrados os governos estaduais e as prefeituras que deixarem de pagar os precatórios parcelados de acordo com a Emenda Constitucional n.º 62.

O Cedin funciona como uma espécie de Serviço de Proteção ao Crédito destinado a fiscalizar o comportamento de entidades públicas. A inscrição nesse cadastro implica a suspensão do direito do governo ou da prefeitura de contratar empréstimos e de receber transferências voluntárias de recursos da União. Além disso, o registro resulta na retenção, em valor igual ao pagamento que deixou de ser feito, das parcelas do Fundo de Participação do Estado (FPE) ou dos Municípios (FPM) a que o devedor inadimplente teria direito.

Até agora, têm sido lentos, e muitas vezes insuficientes, os passos legais e administrativos para assegurar aos credores do governo o recebimento daquilo a que têm direito. Esses credores são detentores de créditos alimentícios - diferenças salariais, aposentadorias e pensões atrasadas - ou obtiveram na Justiça o direito de receber indenizações maiores por desapropriações de imóveis. Mesmo depois de publicada a sentença judicial da qual não podem mais recorrer, os três níveis de governo protelam o quanto podem o pagamento devido, prejudicando famílias e empresas. Há atrasos de pagamentos de mais de 25 anos. O CNJ estima que os precatórios dos Estados e municípios totalizam R$ 84 bilhões.

A Emenda Constitucional n.º 62, de 2009, estabeleceu regras mais objetivas - embora excessivamente favoráveis ao poder público, razão pela qual foi chamada de "emenda do calote" - para esse pagamento, entre as quais o estabelecimento de valor mínimo a ser reservado em cada exercício para essa finalidade e a transferência para o Poder Judiciário da responsabilidade de controlar a quitação dos precatórios.

Mas, sob a alegação de que a emenda não estava regulamentada, diversos Estados e prefeituras a vinham descumprindo. A resolução baixada em junho do ano passado pelo CNJ regulamentou a emenda e criou o Cedin, cujo funcionamento começa a dar um sentido prático às medidas legais já aprovadas.

"Basta que o presidente de um Tribunal de Justiça informe ao CNJ que um município ou Estado está inadimplente com o parcelamento dos precatórios para determinarmos a retenção de quantia equivalente do FPE ou do FPM", disse ao jornal Valor o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra Martins Filho, que coordenou os estudos para a elaboração da resolução do CNJ.

Cabe aos tribunais fornecer as informações essenciais - como valor, data da sentença e o montante não pago em cada exercício - que constituirão o Sistema de Gestão de Precatórios, por meio do qual o Judiciário acompanhará com precisão a quitação dos valores devidos pelo poder público. O Cedin faz parte desse sistema. Isso significa que, em algum momento, o governo ou prefeitura inadimplente será inscrito no sistema.

É claro que os inadimplentes continuarão fazendo o que for possível para retardar ao máximo seu registro no cadastro da Justiça, que lhes resultará em sanções financeiras. Muitos nem declaram os precatórios no valor de sua dívida consolidada líquida, importante indicador utilizado pela Secretaria do Tesouro para analisar as finanças de Estados e municípios e para a fixação do limite de endividamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Se os precatórios fossem incluídos, a dívida dos Estados e municípios seria 20% maior e alcançaria hoje R$ 493,2 bilhões, como mostrou o jornal Valor. É mais uma artimanha de que os governantes se valem para adiar o pagamento de precatórios.



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