Justiça
FRACA - PACIENTES NÃO CONSEGUEM ATENDIMENTO, APESAR DE AMPARADOS PELA JUSTIÇA
Apesar de decisões do TJDFT, pacientes não conseguem atendimento. À espera de remédios, cirurgias e exames, pessoas morrem antes de ver seus direitos reconhecidos. De janeiro a março, foram 223 notificações judiciais - Naira Trindade - CORREIO BRAZILIENSE, 14/05/2011
A vida de André Luiz Moraes Nascimento Júnior, 11 meses, está nas mãos da Justiça. Mandados emitidos regularmente obrigam a Secretaria de Saúde do DF a fornecer 14 medicamentos essenciais à sobrevivência do bebê. Alérgico a proteína, ele precisa desses remédios sob risco de morrer intoxicado ou por desnutrição. Não é diferente o drama da estudante Nathalie de Pinho Lima, que convive, há 16 anos, com um problema de refluxo. Para acabar com o mal-estar, a moradora do Riacho Fundo 2 necessita de uma cirurgia. Mas a máquina do Hospital de Base está quebrada e, com isso, a decisão da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) vem sendo descumprida pela Secretaria de Saúde.
Histórias como essas lotam o Núcleo de Saúde da Defensoria Pública do Distrito Federal. Todos os meses, dezenas pessoas recorrem ao TJDFT para terem atendido um direito garantido pela Constituição Federal. O Correio teve acesso a uma lista com 20 casos de pacientes à espera de medicamentos, cirurgias, material e exames médicos. O número, no entanto, segundo a própria Secretaria de Saúde, é bem maior. De janeiro a março deste ano, o órgão recebeu 223 notificações judiciais. As principais liminares pedem vagas em unidades de terapia intensiva e medicamentos difíceis de se encontrar em farmácias.
Todos os dias, em média, duas pessoas buscam auxílio de juízes para garantir um tratamento digno. De janeiro a março do ano passado, foram registrados 270 pedidos, média de três pacientes por dia. Mas, apesar da redução de 15% no número de liminares, a quantidade ainda é preocupante. “O ideal é que as pessoas não precisem recorrer à Justiça. Mas temos um longo caminho a percorrer até isso acontecer”, afirma o coordenador da Defensoria Pública do DF, Celestino Chupel, que já reconhece uma melhora significativa no sistema. “Já foi muito pior”, constata.
As decisões, no entanto, não são suficientes para assegurar o tratamento. Os casos dos 20 pacientes acompanhados Correio ainda não receberam o medicamento de que precisam. Esporadicamente, eles conseguem uma ou duas caixas do remédio, suficiente para um mês. Eles se veem obrigados a passar outros dois ou três meses sem as doses. O capoeirista Raluíde Ferreira de Marta, 34 anos, conhece bem essa realidade. Ele precisa utilizar uma sonda quando não recebe os comprimidos para o controle renal. “No mês passado, eu consegui uma caixa, este mês não. Tomo um comprimido de oito em oito horas e só restam sete pílulas. Sem o remédio, tenho que ficar direto com sonda”, lamenta o morador de Ceilândia, que já entrou com um pedido de liminar para garantir o suprimento necessário.
Rotina
Viver com as limitações por falta de medicamento faz parte da rotina do pequeno Marcelo Batista de Gonçalvez, 7 anos, dependente de um coagulante de sangue sintético Fator 8 para tratar hemofilia. Sem acesso à medicação na rede pública, o pai dele, Carlos Eduardo Vaz Gonçalves, 34 anos, apelou para a Defensoria Pública na tentativa de conseguir o medicamento do filho, que só é vendido nos Estados Unidos. Ele raramente ganha o remédio para a profilaxia primária. “Eles não forneceram o recombinante e, para não ver meu filho morrer, tive de aceitar as unidades do medicamento plasmático”, conta o auxiliar de oficina mecânica.
Em alguns casos, a ausência do Estado pode ser fatal. Dos 20 integrantes da lista, uma não utilizará mais os serviços do sistema de saúde pública. À espera de um exame para diagnosticar um câncer, uma senhora de 49 anos morreu na última quarta-feira. Ainda muito abalados, os filhos optaram por não falar com a reportagem.
“O descaso da rede pública é geral. Falta tudo. Enquanto a minha filha aguarda pela cirurgia, sofre com vômitos, náuseas, problemas respiratórios e dores de ouvido”, reclama a mãe de Nathalie de Pinho Lima, a dona de casa Sergiana de Pinho Lima, 39 anos. “É um desrespeito. Uma vez, marcaram a cirurgia, paguei para ela fazer o exame de risco cirúrgico em um hospital privado e, na hora da operação, disseram que faltava uma pinça na máquina”, conta.
A Secretaria de Saúde, por meio da assessoria de imprensa, alega que o novo governo está tentando atender a todos. O órgão garantiu que os pacientes que precisam de medicamentos e estão cadastrados vão passar a recebê-los em casa. “É o que eu espero todos os dias. Sem os 14 medicamentos, meu filho pode morrer antes de completar um ano”, lamenta a dona de casa Thaíssa da Silva, 24 a nos, moradora da Estrutural e mãe do pequeno André Luiz Júnior.
Doença crônica
A hemofilia ocorre pela falta de uma ou mais proteínas no sangue. É uma doença crônica e hereditária, que não oferece possibilidade de cura. A evolução é marcada por episódios frequentes de sangramentos que começam na primeira infância, especialmente nas articulações e nos músculos, que acabam acarretando lesões incapacitantes e deformidades. As hemorragias também podem ocorrer de forma grave em órgãos nobres, podendo levar à morte. O tratamento consiste na reposição da proteína sanguínea que o paciente não produz.
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