Justiça
É PRECISO OUVIR O PÚBLICO
ANDRÉA PACHÁ, juíza do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros e e conselheira do Conselho Nacional de Justiça (2007/2009).- O GLOBO, 05/10/2011Quem exerce cargo público deve se preocupar com a opinião pública. Afinal, é a sociedade a destinatária dos seus serviços. Daí porque não se pode minimizar o impacto das sucessivas críticas da opinião pública ao Judiciário.
Mesmo lento, caro e inacessível, o Judiciário é um Poder que, nas últimas décadas, experimentou um fortalecimento gradual. Composto por uma maioria absoluta de juízes que se submeteu a concurso público e que é comprometida com a efetividade da Justiça, precisa ainda de mudanças na sua estrutura - vertical, hierárquica e pouco democrática.
É natural que, nesse contexto, tensões permanentes coexistam. Esse quadro levou o professor e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Joaquim Falcão ao diagnóstico de que são muitos os judiciários que integram o Judiciário brasileiro. Para que a Emenda Constitucional 45 fosse aprovada, emenda que resultou na criação do CNJ, muitos consensos tiveram de ser construídos. A participação da AMB nesse processo foi fundamental.
Se até a sua instalação sofreu o CNJ resistências de grande parte da magistratura, com o início de seu funcionamento mostrou-se um órgão vital para a democratização do Poder. Ao proibir o nepotismo, estabelecer critérios para remoções e promoções, uniformizar rotinas e procedimentos, reunir números do Judiciário e efetivamente trabalhar na implementação de políticas públicas - mutirão carcerário, implantação das varas de violência doméstica, conciliação, entre outras -, o CNJ tem cumprido papel relevante, ocupando um espaço institucional antes inexistente.
Mas também tem mostrado ocupar papel relevante ao fiscalizar e punir magistrados cuja atuação transborde os limites legais. Com a sua atuação, o CNJ revelou o que já se intuía: havia e há uma grande dificuldade dos Tribunais em gerir a administração da justiça sem um órgão sistêmico e externo a eles. Como órgão novo, no entanto, o CNJ passa por ajustes e controles cotidianos, exercidos pelo STF, com acerto e eficiência.
Nesse ambiente de divergências naturais, a AMB resolveu patrocinar a pretensão de se excluir do Conselho a possibilidade de punir magistrados antes da atuação das Corregedorias locais. É esse o contexto em que a Corregedora do CNJ, ministra Eliana Calmon, de forma generalizada, apontou a existência de "bandidos escondidos sob as togas", suscitando, de um lado, reação corporativa sem precedentes, e, do outro, manifestações públicas em apoio às suas declarações.
Na névoa formada por essa falsa dicotomia, a questão central corre o risco de perder o foco. O que se discute é a redução dos poderes do CNJ para fiscalizar e disciplinar a ação de magistrados. Esta pauta, trazida pela AMB, a mesma AMB que há cinco anos ajuizou uma ação direta de constitucionalidade para proibir o nepotismo no Judiciário, é uma pauta que não traduz o sentimento da sociedade.
Grande parte dos avanços e da visibilidade da Justiça vieram de projetos que se alinhavam com o sentimento dos cidadãos. Eleições limpas, simplificação da linguagem jurídica, adoção, são campanhas que, entre tantas, transformaram o Poder numa instituição mais próxima da população, mais pedestre e mais compreensível.
Ao abraçar um projeto exclusivo de parte da magistratura, por meio do questionamento dos limites de atuação do CNJ, esquece a AMB que foi pela atuação do Conselho que não só punições foram aplicadas sem o viés natural do corporativismo local, mas também juízes puderam se contrapor aos tribunais, para afirmar suas garantias.
A legitimidade do Judiciário só ocorre quando a sociedade reconhece no Poder um aliado para a efetivação dos seus direitos. A resistência corporativa é um processo que deve ser vencido com a atuação firme dos juízes que enxergam no seu serviço um instrumento de fortalecimento da cidadania.
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