DOIS ANOS DE PRISÃO POR CAUSA DE R$ 0,15
Justiça

DOIS ANOS DE PRISÃO POR CAUSA DE R$ 0,15


Marco A. Birnfeld - Espaço Vital, JORNAL DO COMERCIO, 06/12/2011

O STJ recordou - em seu saite, no fim de semana - alguns casos curiosos que ocuparam a corte nos últimos anos. Num deles, o pedido de habeas corpus contra a condenação a dois anos de prisão imposta a ajudante de pedreiro pelo furto de uma fotocópia de cédula de identidade, uma moeda de R$ 0,10 e outra de R$ 0,05. A vítima tinha acabado de ser agredida por outros quando foi abordada pelo réu e um menor que o acompanhava. Para o juiz, a sociedade clamava por “tolerância zero” e a jurisprudência rejeitava o conceito de crime de bagatela. O fato de terem os autores se aproveitado da vítima ferida, sem condições de resistir, indicaria alto grau de culpabilidade, por demonstrar “o mais baixo grau de sensibilidade e humanidade”.

O TJ de São Paulo manteve a pena e classificou o princípio da insignificância como “divertimento teorético, supostamente magnânimo e moderno”. Segundo o acórdão, “para certos esnobes, tudo o que não coincide com suas fantasias laxistas pertence à Idade da Pedra; eles, e mais ninguém, representam a modernidade, a amplitude de visão, a largueza de espírito, a nobreza de coração; eles definitivamente têm uma autoestima hipertrofiada”.

O palavrório não ficou por aí. “Acha-se implantada uma nova ordem de valores, a moderna axiologia: comerás com moderação! Beberás com moderação e furtarás com moderação!”, continuou o desembargador paulista. “Curioso e repugnante paradoxo: essa turma da bagatela, da insignificância, essa malta do Direito Penal sem metafísica e sem ética, preocupa-se em afetar deplorativa solidariedade aos miseráveis; no entanto, proclama ser insignificante e penalmente irrelevante o furto de que os miseráveis são vítimas”, afirmou.

Ao relatar o caso no STJ, o ministro Paulo Medina - aquele que foi aposentado por simpatizar com caça-níqueis - registrou estranheza com “a forma afrontosa dos fundamentos” do TJ-SP. “O respeito à divergência ideológica é o mínimo que se pode exigir dos operadores do Direito, pois, constituindo espécie das chamadas ciências sociais aplicadas – o que traduz sua natureza dialética –, emerge sua cientificidade, de que é corolário seu inquebrantável desenvolvimento e modernização, pena de ainda vigorar o Código de Hamurabi”, afirmou. A Turma concedeu o habeas corpus por unanimidade. (HC nº 23.904)

Macacas livres

Outro caso no STJ buscou ampliar o alcance do habeas corpus para o benefício de animais. As advogadas pretendiam que Lili e Megh, ao contrário do habitual para ações desse tipo, fossem mantidas em cativeiro. A Justiça havia determinado sua reintegração à natureza, mas elas acreditavam que a medida implicaria a morte das chimpanzés.

“O periculum in mora reside no evidente perecimento de direito, com um agravante, esse direito é o bem maior (a vida dos animais), que seria gravemente afetado com a determinada retirada da guarda do fiel depositário para introduzi-las na natureza, o que certamente lhes acarretará a morte”, sustentou a impetração.

O ministro Castro Meira, porém, não admitiu a possibilidade de estender aos símios a proteção constitucional. “Nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição da República, é incabível a impetração de habeas corpus em favor de animais. A exegese do dispositivo é clara. Admite-se a concessão da ordem apenas para seres humanos”, asseverou o relator. (HC nº 96.344).

Mordida no nariz

O STJ também julgou o caso em que uma mãe agrediu a educadora de uma creche. Condenada a quatro anos e seis meses de reclusão, a mãe conseguiu reduzir a pena por meio de habeas corpus. Para a 6ª Turma, o TJ-DF usou o ferimento duplamente: tanto para qualificar o crime quanto para aumentar a pena-base.

A mãe levou sua filha para a creche, no Recanto das Emas (DF). Ao recebê-la, a educadora advertiu a mãe sobre a higiene da criança e a presença de urina em suas roupas. A mãe argumentou que a filha teria se sujado no trajeto até a creche e se dirigiu até a secretaria da unidade para reclamar da advertência.

Ao retornar, a mãe encontrou a educadora dando banho na criança. Segundo testemunhas, ao presenciar a mãe, a criança se agitou na banheira, o que levou a agressora a tentar retirá-la das mãos da educadora vítima, que foi estapeada e teve puxados seus cabelos.

Para arremate, uma mordida! O ato arrancou parte do nariz da educadora, então com 26 anos de idade. O reimplante cirúrgico não teve sucesso, resultando em deformidade estética permanente.

A sentença fixou a pena-base do crime de lesão corporal gravíssima em quatro anos de reclusão. Mas, conforme o ministro Nilson Naves, a deformidade permanente da vitima foi usada tanto para enquadrá-la no tipo penal quanto para fixar a pena-base acima do mínimo. “Em outras palavras, a resultante deformidade não poderia, ao mesmo tempo, qualificar o crime e integrar as circunstâncias judiciais. Não poderia, como não pode”, afirmou.

O processo foi devolvido ao TJ-DF para que fosse fixada nova pena, mantida a condenação, sem a dupla consideração do mesmo fato. (HC nº 35.896).



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