DIREITO DE ESPERNEAR
Justiça

DIREITO DE ESPERNEAR


ZERO HORA 04 de outubro de 2012 | N° 17212

EDITORIAL


Grupos ideológicos e lideranças políticas inconformados com os rumos do julgamento do mensalão começam a levantar suspeitas de uma conspiração do Supremo com a mídia dita golpista e setores mais conservadores da sociedade para condenar sem provas integrantes do Partido dos Trabalhadores e seus aliados. O propósito seria o de atingir, além dos ex-integrantes do governo anterior, os atuais ocupantes do poder central. A tese só não é risível porque abriga um preo-cupante componente de autoritarismo por parte de políticos e militantes que se julgam acima do bem e do mal, além de detentores do monopólio da moralidade.

Ora, todos têm o direito de espernear. Para explicar este inconformismo, o meio jurídico até convive com uma gíria retórica que sequer existe em latim: o jus sperniandi. Tal prerrogativa, porém, não inclui a negação da democracia nem o gesto insultuoso de colocar sob suspeição instituições consagradas e consolidadas como o Supremo Tribunal Federal. Obviamente, pode-se criticar e questionar publicamente as decisões da Justiça, desde que suas deliberações sejam cumpridas, enquanto, se assim desejarem, os insatisfeitos recorrem às instâncias superiores. É natural que até mesmo as manifestações da Corte Suprema inspirem objeções, como vem ocorrendo em relação ao atual julgamento. Não são poucas as avaliações conflitantes, produzidas por especialistas em Direito, ex-ministros, juristas, jornalistas e observadores que acompanham o caso desde seu nascedouro, em 2005.

São abordagens que levam em conta principalmente os votos públicos dos ministros e tentam entender, entre outros embates, os contrastes dos argumentos do relator, Joaquim Barbosa, com os do revisor, Ricardo Lewandowski. Há setores, no entanto, que não se contentam em apenas discordar. São os que sugerem a existência de conluio da oposição ao governo, abrangendo tudo o que possa caber nesse conceito, com a anuência ou a complacência da Justiça. É uma reação política, estapafúrdia e mal-intencionada, que insulta a inteligência de todos, ao pretender atingir os ministros e o tribunal que tem atuado como guardião da Constituição.

Os ataques devem ser percebidos nesse ambiente de evidente frustração dos que chegaram a se iludir com a perspectiva de um julgamento mais brando dos 37 réus do mensalão. As insinuações denunciam a índole dos seus autores e repetidores, no esforço de tentar desqualificar instituições garantidoras das liberdades individuais, como o próprio Supremo e a mídia independente. A teoria conspiratória de plantão não é original, por reincidir nos ataques ao Judiciário e às empresas e aos profissionais do jornalismo, como já ocorreu em outras oca- siões. Os detratores também são conhecidos e se repetem exatamente porque o STF e as demais instituições democráticas do país lhes asseguram o direito de dizer o que pensam.



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