Entrevista com Traudi Beatriz Grabin, juíza que colocou Oliveira no semiabertoA magistrada falou sobre a sua decisão de aprovar, em 21 de dezembro de 2011, a progressão de regime para o semiaberto de Jaerson Martins de Oliveira, que mais de dois anos depois se tornaria suspeito de matar o publicitário Lairson Kunzler.
Zero Hora – A senhora é conhecida por ser uma juíza rigorosa. Com o Oliveira, a senhora não foi?
Traudi Beatriz Grabin – Tenho certeza de que agi dentro do que nós tínhamos no processo. O Jaerson foi submetido, na época, a avaliação social e psicológica. Entendi que ele preenchia os requisitos para progressão de regime. Levando em conta os mesmos requisitos que examino em todos os processos dos outros apenados.
ZH – Como foi o laudo criminológico dele?
Traudi – Entendi que as avaliações traziam elementos suficientes no sentido de que ele já estava preparado para progredir de regime. Quando analiso esses laudos, o que mais levo em conta é se aparece alguma possibilidade de que ele possa voltar a reincidir, de acordo com algum comportamento ou alguma conduta dentro do sistema prisional ou alguma coisa que ele tenha exposto para a psicóloga ou assistente social.
ZH – Que elementos foram esses?
Traudi – Na verdade, esses laudos trazem poucos elementos. São pouquíssimas entrevistas com os apenados, às vezes uma ou duas, somente, para apresentar uma avaliação sobre quem é aquele preso que vem resumida, com poucos dados. O Estado não tem estrutura suficiente para que o apenado possa ser acompanhado desde que entra no presídio. Hoje, a lei nem exige esses laudos. A lei diz que só o atestado de bom comportamento é suficiente. Mas eu exijo o laudo.
ZH – Uma frase do Oliveira foi divulgada pela imprensa depois que ele matou o advogado Geraldo Xavier: “Se a vítima reagir, eu mato mesmo”. Isso chegou até a senhora? A senhora leva em consideração esse tipo de coisa?
Traudi – Como pegamos o processo já com uma condenação do réu, quando a gente passa a executar a pena dele, as circunstâncias do que ele falou no decorrer já foram analisadas pelo juiz do processo, ele que vai e condenar ou não. O que interessa é o comportamento dele durante a execução da pena.
ZH – A promotora Lucia Callegari disse que os juízes deveriam ser mais criteriosos. O que a senhora acha dessa declaração?
Traudi – Não tenho dúvida de que sou criteriosa. Acredito que os juízes certamente levam em conta inúmeros critérios quando decidem. Eu, por exemplo, continuo pedindo o laudo psicológico, mesmo que a lei não exija.
ZH – A senhora poderia ter sido mais cautelosa ao deferir a progressão de regime do apenado ou agiu estritamente conforme a lei?
Traudi – Houve recurso do Ministério Público da minha decisão, e o Tribunal de Justiça manteve a progressão de regime. Então, não fui eu, somente, que enxerguei a possibilidade de progressão. A minha decisão estava correta.
ZH – Como a senhora se sente, vendo que uma pessoa morreu por causa que um apenado estava solto por sua decisão?
Traudi – A gente lamenta todos os dias que esses crimes aconteçam. Não tem como nós, juízes, prevermos se esses apenados vão reincidir ou não. Quando a gente olha o processo de um condenado, a gente segue a lei. O Jaerson saiu, e o crime veio a ocorrer. A gente lamenta muito.
ZH – A lei poderia ser mais rigorosa?
Traudi – Considerando que o Estado não tem estrutura para encaminhar para uma ressocialização, não tenho dúvida de que a primeira coisa que deveríamos fazer é extinguir o regime semiaberto. As penas já são altas, então não se deve buscar a majoração das penas. Poderíamos exigir mais tempo do apenado dentro da prisão e acabar com o semiaberto. O apenado cumpriria mais tempo preso no fechado, dois quintos ou três quintos, sem direito a progressão, e sairia direto para o livramento condicional.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Por mais que um magistrado tente tratar os casos com zelo e coatividade, a falta de responsabilidade dos Poderes e a vigência de leis brandas e de uma justiça criminal sistêmica com instrumentos técnicos, zelosos e comprometidos com a segurança da população, colocam as decisões judiciais contra a parede e poucas alternativas. É lastimável. Em outros países estes "laudos" são tratados com o máximo rigor, pois vidas humanas, a paz social e a segurança da população é que estão em jogo.
"Considerando que o Estado não tem estrutura para encaminhar para uma ressocialização, não tenho dúvida de que a primeira coisa que deveríamos fazer é extinguir o regime semiaberto. As penas já são altas, então não se deve buscar a majoração das penas. Poderíamos exigir mais tempo do apenado dentro da prisão e acabar com o semiaberto. O apenado cumpriria mais tempo preso no fechado, dois quintos ou três quintos, sem direito a progressão, e sairia direto para o livramento condicional." juíza Traudi Beatriz Grabin
Está correta a juíza de pedir a extinção do semiaberto e de aumentar o tempo de permanência do apenado no regime fechado. Por este motivo defendo a pena de prisão perpétua e de quatro quintos para a progressão do livramento condicional, desde que passe por uma avaliação rigorosa com vários laudos e entrevistas com especialistas e médicos.
Também está correta a juíza em apontar a falta de estrutura do "Estado" para encaminhar a ressocialização, mas esta estrutura deve ser exigida pelo Judiciário supervisor e pela defensoria e OAB (defesa privada) que fazem a defesa dos presos. É injustificável, poderes se manterem numa posição mediadora ou leniente quando seres humanos são depositados e abandonados em ambientes superlotados, permissivos, insalubres e inseguros, sem chance de ressocializar, reeducar e reintegrar na sociedade, e ficar por isto mesmo.