Justiça
DESTINO DAS ARMAS
REPORTAGEM ESPECIAL - Destino das armas divide os brasileiros - HUMBERTO TREZZI, ZERO HORA 14/04/2011
OAB critica consulta popular sobre desarmamento, proposta esta semana no Congresso após a comoção pela morte de 12 adolescentes em escola do Rio, e incendeia o debate que causa divergências entre parlamentares e ONGs.
No embate sobre um plebiscito para proibir o comércio de armas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) acabou de ocupar o front dos críticos à proposta.
O presidente da entidade, Ophir Cavalcante, surpreendeu quem esperava o apoio da instituição à consulta popular. Ao se pronunciar sobre o tema, ele afirmou que a iniciativa pode virar “uma cortina de fumaça para desviar o foco dos reais problemas”. Na avaliação dele, o país precisa é de um plano nacional de segurança pública.
– Hoje, falta uma política clara, consistente e efetiva de combate à criminalidade e ao tráfico de armas. O plebiscito pode se constituir num desrespeito à vontade popular legitimamente expressada no referendo de 2005 – opina o presidente da OAB, referindo-se à consulta que manteve a venda de armas no país.
A declaração de Cavalcante é mais um capítulo no debate incendiado na semana passada, após o massacre de 12 crianças por um desequilibrado emocional, numa escola do Rio. De um lado, os que acham que as armas em posse do cidadão comum são a bomba-relógio capaz de impulsionar ainda mais os homicídios registrados no país. De outro, os que dizem que a maioria dos crimes do Brasil é praticado com armamento ilegal e que a comunidade ordeira tem direito de se defender. O debate tem amparo em cifras bombásticas. Conforme estimativas baseadas em números do Ministério da Justiça, existiriam 16 milhões de armas legais e ilegais em todo o país. Desse total, apenas 1,8 milhão estão plenamente legalizadas (com novos registros emitidos pela Polícia Federal) e outras 5,8 milhões têm origem conhecida, mas ainda estão irregulares (têm antigos registros das Polícias Civis, hoje não válidos).
1 milhão de armas recolhidas
O governo federal e seus aliados no Congresso apoiam o desarmamento, mesmo que existam pequenas divergências quanto à forma – se deve haver um plebiscito ou se uma campanha de entrega de armas seria mais eficaz. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, a gaúcha Maria do Rosário, defende o plebiscito. Já o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), tem dúvidas se a proposta seria viável este ano.
A oposição – PSDB e DEM – se posiciona contra a realização do plebiscito em outubro. Os democratas se mostram mais ideologicamente contrários. Já o líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), concorda com o plebiscito, mas só em 2012, alegando que não há previsão de recursos orçamentários para a realização este ano.
Entidades que há décadas combatem a violência se alinham para defender duas frentes, o plebiscito e a campanha do desarmamento. É o caso da Viva Rio, organização não governamental (ONG) pacifista. O sociólogo, ex-militar e ex-exilado político Antônio Rangel, coordenador de um estudo do Viva Rio chamado Mapa das Armas, ressalta que as três últimas campanhas de desarmamento, realizadas entre 2004 e 2009, resultaram na entrega de mais de 1 milhão de armas que estavam em poder da população. Com isso, quase 5 mil vidas foram poupadas, calcula. Ele sustenta que 93% das armas apreendidas são nacionais.
– Armas são roubadas de empresas legalizadas, armas são desviadas por policiais, armas são roubadas de cidadãos nas suas casas. É por isso que a venda deve ser proibida – diz.
Opinião diametralmente oposta tem o advogado Bene Barbosa, da ONG Movimento Viva Brasil, defensora do direito à venda de armas, lembra que os revólveres usados na chacina de crianças no Rio – e a maioria das armas usadas pelos traficantes – foram adquiridas no mercado paralelo, e não em qualquer loja.
– Restringir ainda mais a legislação sobre armas só afeta o cidadão com vida legal, não produzindo nenhum efeito na arma marginal – alerta.
TIRE SUAS DÚVIDAS
Qual a diferença entre plebiscito e referendo?Plebiscito é uma consulta ao povo antes de uma lei ser constituída. Já o referendo é uma consulta ao povo após a lei ser constituída. Por uma questão legal, um referendo, que já ocorreu em 2005, não pode ser modificado por outro referendo, segundo o Senado.
O plebiscito será em 2 de outubro?
Ainda não se sabe. O plebiscito e a data ainda precisam ser aprovados no Congresso. Segundo o TSE, o ideal seria em 15 de novembro. A consulta exigiria seis meses de preparação e um investimento ainda não calculado.
O que os brasileiros decidiriam?
Caso o projeto seja aprovado, os eleitores responderão: “o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”.
A decisão do plebiscito passaria a vigorar imediatamente?
Não. Segundo o senador José Sarney, a consulta autorizaria (ou não) o Congresso a mudar o Estatuto do Desarmamento. Por esse caráter consultivo, os críticos do plebiscito questionam a votação. Dizem que a população pode tomar uma decisão, e o Congresso tomar outro caminho.
Campanha do desarmamento
Tenho uma arma legal em casa e quero entregá-la. Quanto irei receber da campanha, prevista para começar no mês que vem?
Ainda não está definido o valor. Na última campanha, o governo pagou entre R$ 100 e R$ 300, mas o Ministério da Justiça pretende reajustar esse valor. O governo destinará R$ 10 milhões para a campanha do desarmamento.
Haverá o pagamento de indenização para entrega de munições?
É provável que sim. O valor ainda será definido por uma comissão, mas a tendência é de que custe centavos.
Quanto tempo levará para o governo fazer o pagamento da indenização?
O governo promete acelerar o pagamento, que chegava a levar até três meses na última campanha. O Ministério da Justiça negocia com o Banco do Brasil uma forma de torná-lo mais ágil. A ideia é que o pagamento seja feito de forma imediata, na entrega da arma.
Quanto tempo irá durar a campanha do desarmamento?
O governo espera que a campanha dure até o fim do ano, mas a intenção é de que ela seja relançada anualmente.
Por que o governo retomará a campanha do desarmamento?
Porque acredita que, com a discussão da sociedade e a redução do arsenal provocada pela campanha, haverá uma queda no número de homicídios no país.
O governo vai reabrir o recadastramento de armas na Polícia Federal?
A tendência é não reabrir.
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