Justiça
DESPEDIDA EM ALTO ESTILO
REVISTA ISTO É N° Edição: 2234 | 31.Ago.12 - 21:00 | Atualizado em 02.Set.12 - 12:41 Em seu último voto no STF, Cezar Peluso condena cinco réus, mostra as provas da corrupção, revela ao País como funcionou o esquema do mensalão e influencia os demais ministros Izabelle Torres NA ACADEMIA
Peluso se exercita em uma academia de Brasília:
“Nenhum juiz condena por ódio”
No voto que o ministro Cezar Peluso não leu, ele criticaria a insistência petista na tese do crime de caixa 2 de campanha eleitoral e teria várias considerações sobre a atuação de José Dirceu. Mas seu veredito não será conhecido. A partir da segunda-feira 3, a cadeira de Peluso no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) estará vazia. Aos 70 anos, a aposentadoria compulsória chegou antes que ele concluísse uma das mais importantes decisões de sua carreira. Dono de um conhecimento técnico que o tornou referência no STF, Peluso se preparou para julgar cada um dos 38 réus do mensalão. Mas resolveu, num estrito respeito às normas da corte, não antecipar seu voto sobre os réus que não foram citados pelo relator Joaquim Barbosa. Peluso referiu-se apenas à primeira parte do processo. Mas, ao decidir sobre os contratos de publicidade da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil com as empresas de Marcos Valério, o ministro deu uma amostra da linha-dura que pretendia adotar ao longo do julgamento – motivo de temor entre os defensores dos réus do mensalão.
Cezar Peluso condenou cinco pessoas em sua despedida. Além disso, antecipou a dose das penas e decidiu pela condenação em regime fechado para os acusados, entre eles o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), forçado a abandonar seu antigo projeto político de se eleger prefeito de Osasco. Peluso determinou a cassação do mandato do parlamentar, multa, e seis anos de reclusão. Além de Cunha, também já foram condenados Marcos Valério, seus sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, e o ex-diretor de marketing do BB Henrique Pizzolato. Para esse último, Peluso quer 12 anos de cadeia pela participação no desvio de dinheiro do banco estatal com o objetivo de abastecer o esquema.
FIM DA LINHA
O julgamento do mensalão obrigou o ex-deputado João Paulo Cunha a
desistir de sua candidatura à Prefeitura de Osasco, na Grande São Paulo
“Nenhum juiz condena por ódio”, disse Peluso na exuberante apresentação de seu voto. Clara, ordenada, simples, lógica e contundente, a fala de Peluso revelou a experiência do magistrado que chegou ao STF depois de uma longa trajetória. Nem advogado nem promotor. Peluso foi juiz por 44 anos, desde que assumiu como juiz-substituto a comarca de Itapetininga da Serrra, no interior paulista, em 9 de junho de 1968. E seu último voto foi o voto de um legítimo juiz, mais interessado em esclarecer do que em revelar erudição jurídica ou percepções políticas. Com o voto de Peluso, os brasileiros puderam acompanhar pela televisão uma eficiente aula sobre como ocorreu, detalhe por detalhe, a corrupção que o ministro, ao final, condenaria. Mesmo para os demais ministros do STF, o voto de Peluso deverá ter influência sobre as futuras decisões do caso: ele foi brilhante na demonstração de que não faltam provas e sobram indícios aos crime cometidos no mensalão.
Durante seus 11 anos como ministro do Supremo, Peluso colecionou votos contra políticos acusados de corrupção. Foi duro quando encontrou casos como o do deputado federal Pedro Henry (PP-MT) que havia contratado um piloto de avião com verba da Câmara. “Se não prosseguirmos nas diligências do inquérito, diremos que nunca será crime o peculato por contratar assessores fantasmas”, disse Peluso em resposta ao ministro Dias Toffoli que tinha mandado arquivar o processo. Mas, apesar do currículo extenso de decisões em defesa dos recursos públicos, Peluso não entrará para a história como um caçador de políticos. Foi dele o voto que permitiu ao senador Jader Barbalho (PMDB-PA) assumir o cargo, depois de haver sido barrado pela Justiça estadual em função de seus antecedentes criminais. O ministro resistiu à Lei da Ficha Limpa e chegou a afirmar que a norma, resultado de mobilização popular, é um retrocesso. Nesse sentido, sua despedida em grande estilo foi um sonoro contraponto.
Fotos: Adriano Machado; JB NETO/AE
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