O coordenador da comissão nacional da verdade, Paulo Sérgio Pinheiro, durante entrevista após reunião da Comissão Nacional da Verdade com comitês estaduais da verdade, memória e justiça Givaldo Barbosa/25-02-2013
BRASÍLIA - Balanço que a Comissão Nacional da Verdade divulga na próxima semana vai indicar os centros de tortura clandestinos utilizados pelos comandos dos órgãos de repressão durante a ditadura. Nessa relação constam casas e até propriedades rurais usadas para reprimir os opositores do regime militar. São locais até agora desconhecidos onde os perseguidos políticos eram torturados e até mortos antes de serem entregues às unidades do regime, como o DOI-Codi. A comissão identificou também diversos nomes de militares e agentes da repressão que atuavam nesses locais.
— É um levantamento dos centros de tortura e um grande organograma no qual os espaços antes desconhecidos começam a ser preenchidos com nomes, cargos e instituições — disse Paulo Sérgio Pinheiro, que está deixando a coordenação da comissão.
A Comissão da Verdade completa nesta quinta-feira um ano de existência. A presidente Dilma Rousseff, atendendo a pedidos de entidades e também da própria comissão, vai estender o trabalho por mais seis ou sete meses. Originalmente, o prazo de funcionamento é de dois anos, e se encerraria em maio de 2014. Pinheiro estava no grupo que se reuniu com Dilma na terça-feira e defendeu a ampliação do tempo de trabalho.
— Temos uma lista de 1.500 nomes de torturadores e agentes, de uma listagem básica. Temos que descobrir se estão vivos, o RG (identidade), o último endereço. Já levantamos 250 nomes e entrevistamos 61. E é uma entrevista que tem que ser bem preparada, para não fazermos papel de tontos. O sonho de toda comissão é ter mais tempo de trabalho — disse Pinheiro.
O balanço da semana que vem apresentará vários documentos inéditos produzidos pelos órgãos de repressão e os nomes dessas 61 pessoas já entrevistadas pela comissão, e que estiveram envolvidas ou conhecem as práticas de tortura, de desaparecimentos e ocultação de cadáveres.
Revisão do ensino de história
Ao todo, a Comissão da Verdade já contabiliza 15 audiências públicas com familiares de mortos e desaparecidos, e depoimentos de 220 sobreviventes e testemunhas. Cerca de 16 milhões de páginas estão sendo digitalizadas.
A Comissão da Verdade também recomendará, no seu relatório final, que se faça uma “revisão drástica” do ensino de História nas academias militares. O grupo quer mudar a forma como o golpe de 1964 é ensinado e visto por essas instituições.
— É preciso uma revisão drástica do ensino de História nas academias militares, onde mentiras e mitos sobre 64 são repassados. Como a de que o golpe foi uma revolução contra o comunismo. Isso é história da carochinha. Esse golpe de 64 foi sendo preparado desde Juscelino Kubitschek. Esse desejo de imposição de ditadura em nome da segurança nacional é velho. Foi o terrorismo de Estado, que implementou uma ditadura. O ensino militar tem que ser compatibilizado com a democracia que estamos tendo — disse Pinheiro.
Esse argumento foi utilizado semana passada pelo coronel reformado Carlos Brilhante Ustra. Em seu depoimento público na Comissão da Verdade, Ustra disse que o golpe ocorreu para evitar a uma “ditadura do comunismo”. O coronel disse ainda que , se não fossem os militares, o Brasil hoje seria um grande “Cubão” (uma referência à Cuba) e que ele teria ido para o “paredón”.
Os centros de tortura vêm sendo investigados pela comissão, que já visitou a Casa da Morte, em Petrópolis. No local, militantes de esquerda teriam sido mantidos presos, foram torturados e mortos. Por lá passou o ex-deputado federal Rubens Paiva. Também em seu depoimento na comissão, Ustra garantiu que esses centros nunca existiram.
— Só porque um sujeito lá no interior de São Paulo tinha uma fazenda batizada com o nome de 31 de Março desconfiaram dele. Foram lá, vasculharam tudo e não encontraram nada. É tudo mentira — disse Ustra, na semana passada.
Comissão e militares mantêm diálogo
Outro ponto que constará no documento são as boas relações da Comissão da Verdade com o Ministério da Defesa e os três comandos militares. Pelo menos uma vez, conselheiros reuniram-se com os comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica, no Ministério da Defesa. O encontro foi mediado pelo ministro da Defesa, Celso Amorim.
— Ultrapassamos a fase do queimou ou não queimou documento. Neste primeiro ano ficou estabelecido que essa prática é ilegal. E, pela primeira vez em 40 anos, estamos dialogando com os três comandos. Foi repassada documentação. Esses militares que estão aí não têm nada a ver com os crimes praticados (na repressão). Os crimes dos que os antecederam, nós estamos pesquisando. E tem aqueles que estiveram envolvidos, caso do Ustra. Há um diálogo com as Forças Armadas de hoje. É um diálogo discreto, não dá para bater bumbo. Mas é um avanço — disse Pinheiro.
Segundo ele, o relatório final da comissão será contundente e vai reconstituir a veracidade dos crimes negados por seus autores diretos e mandantes:
— Depois do relatório, se fará verdade sobre os crimes da ditadura, e se estará mais perto do que nunca para que a impunidade dos mandantes e autores desses crimes não mais prevaleça.
Na semana passada, a audiência para interrogar o Ustra acabou em bate-boca. O militar se negou a participar de acareação com o vereador Gilberto Natalini, ex-militante de esquerda que declarou ter sido vítima de tortura. Ustra chamou Natalini de terrorista. O vereador reagiu chamando Ustra de torturador.