ZERO HORA 08 de março de 2015 | N° 18095
ESPORTE NACIONAL, POR FLAVIA MORAES*A censura é uma das instituições mais queridas no nosso país. Anda taco a taco com cerveja, futebol e sem- vergonhice.
Não houve um período sequer da história do Brasil sem censura. Na monarquia (tida como liberal e coisa e tal), um monte de gente que defendeu ideias contrárias às do imperador entrou na lista negra dos censores da época. Quando chegou a sua vez, a República Velha baniu a família imperial brasileira e censurou todo mundo que caiu na asneira de se manifestar a favor dos reis banidos. Já o Barão de Itararé tomou um laço dos policiais da Marinha porque o governo não gostava dos seus textos satíricos, ao que o Barão reagiu com inteligência e bom humor: pendurou em sua porta o aviso “ENTRE SEM BATER!”. Mas nem só de censurados vive a literatura brasileira, Machado de Assis por exemplo, foi censor.
Os anos 60 foram um prato cheio e fundo para os todo- poderosos da tesoura, Caetano, Chico e até Odair José foram censurados. Os militares levantaram acampamento, mas o apetite dos mãos de tesoura continuou insaciável. Em 1986, Roberto Carlos festejou José Sarney, censor do filme Je Vous Salue Marie. Mais recentemente, sua majestade usou de todo o seu prestígio para conseguir que seu biógrafo fosse silenciado e foi, vejam só, aplaudido não só por quem lhe faz a corte como também por muita gente boa. Há pouco tempo também, a ala das viúvas da repressão foi pra avenida mostrar que não sonha com a volta do Henfil e de tanta gente que partiu. Sonha mesmo é com a volta das tesouras.
Hoje, os democratas do governo ameaçam a liberdade de imprensa com “modernismos” do tipo “controle social” ou “regulação econômica da mídia”. Essa turma é pródiga na criação de eufemismos, principalmente quando se trata de empastelar ou controlar os veículos de comunicação do país, especialmente aqueles que têm o péssimo hábito de não dobrar a espinha. E, claro, mais uma vez tem gente apoiando a novidade.
Outro dia, por alguma ra- zão não muito clara (o processo segue em segredo na Justiça), um juiz do Piauí tentou censurar o WhatsApp. Não é incrível? Acordar em Teresina e resolver assim, no café da manhã, suspender a comunicação de milhões de pessoas num ato totalmente autoritário?
Sua excelência não leu o Marco Civil Regulatório da Internet sancionado em 2014. Proibir um site ou aplicativo não é permitido pela lei, da mesma maneira como não se pode proibir a circulação de um jornal ou de uma revista. Mesmo que a revista Veja tenha sumido das bancas nas vésperas da eleição e que o jornal O Estado de S. Paulo continue sob censura prévia desde 2009. Não pode sequer mencionar o Boi-Barriga – seja lá o que for.
Segundo Ronaldo Lemos, um dos autores do Marco Civil, essas práticas violam de uma só vez um conjunto de normas legais, constitucionais e até a convenção americana de direitos humanos da qual o Brasil faz parte e que veda qualquer ação análoga à censura(*).
Enquanto isso em Teresina, o estrago do canetaço só não foi maior porque a decisão foi revogada pelo Tribunal de Justiça do Piauí.
Vivemos a era da transparência, senhores.
Cortar, proibir, esconder, boicotar, é cada vez mais inútil.
Mais dia, menos dia, tudo vem à tona, tudo é descoberto, compartilhado e ventilado. E, pra completar, o proibido sempre teve e ainda tem um gosto bíblico de pecado que nos é ir-re-sis-tí-vel. Proibir cada vez mais será incentivar, e incentivar, num mundo onde o indivíduo está cada vez mais empoderado pela tecnologia, pode sair do controle de quem gosta de controlar.
Durante o último Carnaval, Nestor Cerveró, um dos protagonistas da operação Lava- Jato, proibiu com um mandado de segurança qualquer a impressão de seu rosto em uma máscara de papel. Obviamente a imagem vazou na rede… Preciso dizer qual a fantasia mais popular durante a folia?
*Cineasta
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