Um grupo de militantes tumultuou a audiência pública sobre a licitação dos ônibus de Porto Alegre, realizada ontem à noite, e fez a prefeitura encerrar o encontro que havia sido marcado para que a população se manifestasse sobre o processo. Depois de atos violentos, que incluíram o lançamento de dezenas de pedras e de pelo menos cinco rojões na quadra esportiva onde estava a mesa que dirigia os trabalhos, a audiência foi dada por concluída pelas autoridades. Houve um ferido e ao menos duas pessoas detidas.
A reunião, realizada a partir das 19h no Ginásio Tesourinha, era a oportunidade que a população tinha para questionamentos e sugestões sobre a licitação, que terá o edital lançado em 31 de março. A audiência estava marcada originalmente para 27 de fevereiro, na Câmara de Vereadores, mas foi adiada por falta de espaço. Na ocasião, dezenas de pessoas ficaram do lado fora, entre elas manifestantes mascarados e armados com paus, que tentaram derrubar os portões do Legislativo municipal.
Às 19h de ontem, quando a audiência começou, havia dois grupos distintos na arquibancada. À esquerda da entrada principal, concentravam-se os interessados em debater, muitos deles de meia idade.
À direita, ficaram jovens contrários à realização da licitação (“Contra a licitação da máfia”, dizia uma de suas faixas) e favoráveis à estatização do sistema de ônibus. Parte deles vestia camisetas de organizações que têm participado dos protestos do Bloco de Luta pelo Transporte Público. Era possível identificar vários integrantes do Juntos, um coletivo ligado ao PSOL, e da CSP/Conlutas, central sindical vinculada ao PSTU. Um dos participantes era Rodrigo Brizola, conhecido líder do Bloco de Luta.
Quando um integrante da prefeitura pegou o microfone para iniciar a sessão, esse grupo de jovens começou a gritar, apitar e vaiar, abafando o som que vinha dos alto-falantes. Bradavam por passe livre:
– Eu pago. Não deveria. Transporte público não é mercadoria.
Depois de instantes, enquanto o representante da prefeitura lia informações sobre a licitação sem que fosse possível ouvi-lo, começou o vandalismo. Dezenas de jovens do lado direito avançaram e começaram a arrebentar a rede que separa a quadra da arquibancada. Quando conseguiram, invadiram o espaço interno e avançaram em direção à mesa de autoridades. Em resposta, emergiram dos fundos do ginásio cerca de 20 guardas municipais munidos de capacetes, escudos e cassetetes. Fizeram com que os militantes recuassem. Enquanto isso, em um canto do Tesourinha, um homem era perseguido e espancado por um grupo de participantes da audiência.
Com a selvageria instalada, as autoridades mantinham-se à mesa, tentando dar continuidade à reunião. Depois de uma lata de lixo e de vários outros objetos serem atirados, um rojão explodiu na quadra. Os guardas municipais fizeram uma barreira diante dos militantes do lado direito. No esquerdo, a situação era tranquila.
Às 19h10min, o quarto explosivo lançado na quadra caiu debaixo da mesa de onde os trabalhos eram conduzidos. As autoridades, incluindo o diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte Coletivo (EPTC), Vanderlei Cappellari, levantaram-se às pressas e correram. Depois da explosão, voltaram, em meio à fumaça.
Líderes impedidos de falarRepresentantes inscritos se revezavam no microfone, mas eram impedidos de falar pela gritaria dos militantes. Geni Selau, 58 anos, que saiu da Lomba do Pinheiro ao meio-dia para representar associações de bairro da Capital, passou uma reprimenda nos jovens militantes:
– Quem está falando aqui são trabalhadores, pais de família. Como é que o povo vai ser ouvido com essa baderna? Qual é o futuro dessa geração? Assim as coisas só mudam para pior – disse.
Vaiada pelos militantes, sem conseguir apresentar as sugestões de que tinha sido encarregada, deixou o local frustrada:
– Estão impedindo a participação popular. Não estão deixando o povo falar. É muito triste.
Oriunda da Vila Cruzeiro, escalada pela sua comunidade para apresentar propostas, Bernadete Dornelles, 51 anos, não foi apenas impedida de falar. Ela contou que os manifestantes barraram sua entrada no ginásio.
– Teve gente que foi embora sem poder entrar. Isso fragiliza a sociedade diante do governo. Tira o nosso direito de reivindicar. Se não fomos ouvidos, como vamos ter o transporte que queremos?
Em menos de meia hora, o temor da violência havia esvaziado o lado esquerdo da arquibancada. Às 19h30min, quando o quinto rojão explodiu na quadra e pedaços de concreto, alguns com 15 centímetros de comprimento, começaram a ser jogados, a audiência foi concluída.
Na parte dos fundos do ginásio, Cappellari afirmou que o edital será fechado sem propostas da audiência, apenas com as contribuições recolhidas em 24 reuniões do Orçamento Participativo.
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