A ILHA DO SILÊNCIO DE MANDELA
Justiça

A ILHA DO SILÊNCIO DE MANDELA



ZERO HORA 07 de dezembro de 2013 | N° 17637

ARTIGOS

 Ricardo Kuchenbecker*



Em silêncio, embarquei num ferry boat que percorreu decidido os sete quilômetros entre a ilha de Robben (Robben Island) e a Cidade do Cabo. Lá fica o presídio agora museu onde Nelson Mandela viveu 18 dos 27 anos após ser sentenciado pela luta contra o apartheid, regime segregacionista branco vigente entre 1948 e 1994, na África do Sul.

Robben Island testemunhou a resistência do país contra o racismo. O clima da ilha é inóspito. O solo, árido. A vegetação, escassa. O sol comprometeu inexoravelmente a visão de muitos, entre os quais, Mandela. O local é pequeno para tanto simbolismo. Pouco mais de três quilômetros de extensão encravados no mar revolto da região conhecida por sepultar esperanças de navegadores na busca por novas terras.

Em celas individuais de quatro metros quadrados, Mandela e outros líderes negros resistiram por anos. Deslocavam-se diariamente à pedreira da ilha, onde quebravam pedras durante horas. Só ao vento incessante era permitido gritar. Atestava, diariamente, a impossibilidade da fuga.

Desafiando a perversidade do confinamento, a ilha continha outra dentro de si. Esta simbólica, representada pela cela onde Robert Sobukwe, maior líder político negro sul-africano, viveu em isolamento. Admitido pelo regime branco como o único preso político da ilha, Sobukwe teve sua prisão renovada ano a ano, até morrer depois de seis anos de completo isolamento e desesperança. Foi o recado tácito mais cruel da ditadura.

Nos períodos de descanso, aos condenados era permitido refugiar-se numa caverna na pedreira. Lá, os líderes anti-apartheid alfabetizaram alguns presos e promoveram a educação política de outros, para mais tarde conduzirem pacificamente a transição para a democracia racial.

Mandela conduziu pacificamente a maior reconciliação que um país já viveu. Munido apenas pelo diálogo, tornou-se o primeiro presidente negro eleito pela África do Sul. Já presidente, o preso 46664, retorna à ilha em 1995 para uma visita emblemática. Em silêncio, depositou uma pequena pedra no chão, em frente à pedreira. Seu gesto foi seguido pelos demais líderes políticos presentes. Nenhuma palavra foi dita. Juntas, formaram um monte de pedras que simbolizou anos de solidariedade na luta por igualdade. Como aqui, as pedras estão lá até hoje. Gritam por Brasis e Áfricas do Sul socialmente mais iguais e justos. Como os demais, parti em silêncio emocionado da prisão-museu. Deixamos todos um pedaço de si por lá.

*Professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da UFRGS, chefe do Serviço de Emergência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre



COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Na ilustração abaixo a capa do melhor filme que assisti sobre Mandela. É capaz de fazer o expectador entrar no cenário e sentir a luz que sai da figura do Mandela através do ator e como esta irradiação exercia uma força reconciliadora e surpreendente entre seus guardas. 





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