A DROGA DA OPINIÃO
Justiça

A DROGA DA OPINIÃO



ZERO HORA 06 de julho de 2014 | N° 17851


ISMAEL CANEPPELE




Quase um século depois de ser festejada na Semana de Arte Moderna, a antropofagia talvez hoje comece a acontecer de forma espontânea. Não apenas comer informação, mas, principalmente, vomitar opinião, parece ser a regra dos tempos modernos. Hoje, a opinião nos define.

Políticas econômicas recentes tratam de tornar acessíveis à maioria da população uma série de novas tecnologias que não apenas recebem, mas também difundem informação. Tablets, smartphones e computadores nunca estiveram tão ao alcance das nossas mãos. A web 2.0, essa rede que permite tanto receber quanto difundir conteúdo, cobra posicionamento. O que você pensa sobre?

Cada vez mais incapazes de interpretar o acontecimento por conta própria ou de isolar o fato em si, permitindo que ele simplesmente seja, sofremos uma constante necessidade de provar se o acontecido é bom ou ruim, se é certo ou errado, se seguro ou arriscado. Perdido na exclusão advinda do “ou”, acabamos por não atentar ao somatório de “e”s que constitui o tempo presente. O contemporâneo é plural. É bom e ruim, é certo e errado, é seguro e arriscado.

Misturamos real e virtual. Brigamos na internet. Desfazemos amizades. Bloqueamos contatos. Tudo por conta de opiniões que precisam não apenas ser emitidas, mas aceitas como verdade. Como a única verdade. A nossa própria. Vivemos um tempo de exclusão do diferente. Surdos, escutamos apenas a voz do igual.

Nesse contexto onde o que você pensa sobre o fato é tão ou mais importante do que o fato em si, as mídias convencionais parecem agonizar. Interessante notar como certos profissionais de televisão e de grandes jornais e revistas tendem a uma visão bastante negativa sobre essas novas tecnologias. Já experimentaram o prazer tirânico que as mídias do passado lhes conferiam. Suas opiniões, antes incontestáveis, hoje são postas à prova nas redes sociais. São profissionais que, perdendo o bonde da história, menosprezam a novidade.

Pouco a pouco, o público aprende a duvidar dos veículos de informação que dependem da publicidade para continuar existindo. Sabe não existir investimento sem interesse. Quando a mídia que você consome exibe a logomarca de um patrocinador, é provável que haverá alguém lucrando por você pensar da forma como pensa. O público antigo, esse que aprendeu a acreditar na mídia patrocinada, que respeita cegamente a opinião endossada por conglomerados privados de comunicação, vive hoje uma estranha síndrome de Bela Adormecida às avessas. Acordou não para o príncipe, mas para o sapo. Precisa aprender a pensar por conta própria. A não acreditar nas opiniões que, assim como o funk, também vivem a sua fase de maior ostentação.

A popularização das novas tecnologias nos coloca nesse perigoso lugar de produtores de ideia. Enquanto antes da internet a informação se limitava a ser consumida, hoje ela deve ser vomitada. Ou enfiada goela abaixo. Opinião pode não ser álcool, mas, assim como qualquer outra droga, deve sempre ser usada com moderação.



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