A DOR DE BARBOSA QUE O BRASIL SENTIU
Justiça

A DOR DE BARBOSA QUE O BRASIL SENTIU



O Estado de S.Paulo 11 de março de 2014 | 2h 04


Aloisio de Toledo César*




Não esteve sozinho o ministro Joaquim Barbosa na dor estampada no rosto quando se deu conta de que o colega Luís Roberto Barroso, no voto proferido, absolvia José Dirceu do crime de formação de quadrilha e, assim, o deixava muito mais perto da porta de saída da prisão. A consequência desastrosa do julgamento atinge em cheio o Judiciário no momento em que recuperava sua imagem, tão desgastada.

Milhões de brasileiros que acompanharam a decisão final dos embargos infringentes, ao longo da última semana de fevereiro, sentiram a mesma indignação de Joaquim Barbosa e, se pudessem exprimir tal contrariedade, talvez gritassem em coro que está na hora de rever o critério de escolha de ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma escolha que deixasse o escolhido livre de ter de pagar o favor da nomeação.

Serão beneficiados pelo amolecimento já sacramentado exatamente os políticos petistas que escandalizaram o País com sua conduta criminosa, porque permanecerão menos tempo detrás das grades.

No momento em que o ministro Joaquim Barbosa, referindo-se a Luís Roberto Barroso, falou em voto político, voto de interesse do Partido dos Trabalhadores, não disse nenhuma novidade, porque era exatamente essa a impressão causada por aquela decisão, proferida com certo pedantismo. Apesar do esforço de Barroso, não conseguiu o ministro propagar a ideia de um voto apenas jurídico.

O processo do mensalão, já tão velho, teve a incrível qualidade de demonstrar a existência entre os brasileiros de um sentimento nacional de justiça que pareceu estar adormecido durante décadas. À medida que o julgamento avançava, conduzido por Joaquim Barbosa, e indicava ser possível pôr gente rica na cadeia, esse sentimento de justiça se viu recompensado e fortalecido. Melhorava a imagem do Judiciário.

Quando já estava para encerrar-se, houve a necessidade de decidir se seriam recebidos ou não os embargos infringentes propostos por alguns réus, principalmente os que faziam parte do grupo íntimo do ex-presidente Lula. O risco desse julgamento estava na possibilidade de reduzir a pena dos condenados e livrá-los da prisão em regime fechado. Foi o que aconteceu.

Aparentemente sem remorso, e também sem se mostrar envergonhado, Celso de Mello foi o ministro que convalidou os embargos infringentes, admitindo-os, no ano passado. Como resultado, meses depois novos ministros nomeados pela presidente Dilma Rousseff, disciplinados como escoteiros, votaram a favor de deixar Dirceu mais próximo da porta de saída.

Imagina-se que entre os petistas tenha havido regozijo e festa, até mesmo porque a partir do final de 2014 o ministro Ricardo Lewandowski, que sempre defendeu José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, deverá assumir a presidência do Supremo. Com a decisão de procedência dos embargos infringentes, chegará o momento de exame do regime de progressão das penas. Enquanto o ministro Joaquim Barbosa se mantiver na presidência do STF, e na relatoria do processo, as facilidades ocorrerão de conformidade com o que diz a lei.

Há um cerco muito grande de políticos em torno do ministro Joaquim Barbosa, decorrente da imagem que construiu no País graças à sua conduta no Supremo. Os políticos oferecem-lhe apoio para concorrer à Presidência da República e/ou ao Senado, acenando, enfim, com a possibilidade de uma nova carreira pública.

Nascido numa região áspera de Minas Gerais, pessoa que sofreu na infância e na adolescência as agruras de uma vida marcada por preconceitos e privações, Barbosa acabou construindo com as próprias pernas uma linda carreira jurídica, cresceu aos olhos de todos e desfruta imagem pública raramente conseguida por outro brasileiro. Ele demonstra ter consciência desse respeito e talvez se sinta dividido entre a lealdade que deve à magistratura e à exortação, quem sabe tentadora, de uma nova carreira na vida pública.

Enquanto estiver como presidente do Supremo, Barbosa sabe que poderá exigir rigor no cumprimento das condenações. Mas quando passar o cargo ao colega Lewandowski a realidade poderá ser outra, porque a brandura desse ministro em relação a alguns dos condenados sugere o risco de ocorrer o oposto. Sem dúvida alguma os condenados, e seus advogados, estão ansiosos pela chegada de Lewandowski a presidente.

Diante desse quadro, é de esperar que Joaquim Barbosa se mantenha no Supremo, onde sua voz será sempre ouvida e poderá influir nas decisões. Eventual saída para carreira política significaria deixar campo aberto para excessos de bondade dos ministros tolerantes com os condenados. O seu mandato na presidência do Supremo expira no fim do ano. Caso se aposente antes, para assumir nova carreira no malvisto mundo político, o restante do mandato de dois anos será cumprido pelo mais antigo ministro, ou seja, Celso de Mello, e somente depois seria a vez de Ricardo Lewandowski, por dois anos.

Este ministro deverá assumir a presidência do Supremo numa época bastante delicada, quando José Dirceu e a sua turminha estarão lutando pela progressão das penas, algo que realmente preocupa. O exemplo de desprezo pela Justiça dado pelos líderes e filiados do Partido dos Trabalhadores - incluída a clara tentativa de desmoralizar as condenações com dinheiro arrecadado coletivamente, em tom de deboche, para pagar as multas dos punidos - deixa evidente a possibilidade de os condenados tentarem voltar, no futuro, a disputar eleições.

É possível que esse seja mesmo o sonho de cada um deles. Seria a forma de se vingarem dos que os condenaram e também de tentarem retomar o projeto de fazer do Brasil uma República socialista, preguiçosa e burra como Cuba ou, quem sabe, uma Venezuela ainda pior do que a que nos assusta a cada dia pela desordem, que chega a ser até maior do que a existente no Brasil.

*Aloisio de Toledo César é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.



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