ZERO HORA 09 de setembro de 2013 | N° 17548
HUMBERTO TREZZI
ONDA DE PROTESTOS
Atos de repúdio e ondas de vandalismo voltaram no feriado em 12 capitais, mas Porto Alegre foi das que tiveram menos incidentes com violência
Se em junho o Brasil, gigante deitado em berço esplêndido, acordou com as manifestações e no auge do inverno voltou a hibernar, no sábado de clima quente ele mostrou que continua vivo. Como já era previsto pelos órgãos de segurança pública, o desfile militar de 7 de Setembro foi oportunidade para a realização de grandes protestos país afora.
Pacíficos, em alguns casos. Repletos de vandalismo, em pelo menos 12 capitais. Manifestantes com máscaras pretas, os chamados Black Blocs, foram presos em Brasília, Rio, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Vitória, Recife e Salvador. Houve confronto, e mais de 30 pessoas ficaram feridas, entre manifestantes e policiais. Pelo menos 225 pessoas foram presas no maior protesto desde junho – três dessas acabaram detidas em Porto Alegre. Ontem, 22 seguiam detidos em 12 capitais. Foi o mais violento Dia da Independência em três décadas.
Em junho, os protestos eram contra frustrações e abarcavam dezenas de motivos – da volta da inflação aos salários do Judiciário, do monopólio da investigação pelas polícias aos baixos vencimentos dos professores, passando pelo combate à corrupção.
Já neste 7 de Setembro ocorreu a volta das tradicionais bandeiras políticas, sindicais e de esquerda. Grande parte dos manifestantes concentrou sua ira contra símbolos do capitalismo (como patrocinadores da Copa do Mundo). Outros preferiram desfraldar bandeiras de décadas atrás, como a punição dos torturadores da ditadura militar e a abertura de arquivos judiciais do regime autoritário. Não por acaso, escolheram o dia em que acontecem os maiores desfiles militares no país para se manifestar.
Manifestantes invadiram uma barraca do Exército
Em Porto Alegre, um grupo de mascarados vaiou tropas do Exército que desfilavam, gritando:
– Você, patriota, não passa de um idiota!
Um grupo de Black Blocs invadiu uma barraca do Exército no Parque Farroupilha, logo após os desfiles. Os mascarados picharam a lona com slogans e, após negociação com os militares, deixaram o local. A Polícia do Exército também impediu que mascarados interrompessem o desfile.
Houve quem tentasse protestos mais genéricos, como o estudante de Engenharia Matheus Caetano, 18 anos, que na capital gaúcha abriu um cartaz pedindo “fim da corrupção”. Foi vaiado por outros manifestantes, que tentaram tirar seu cartaz, dizendo que essas eram bandeiras “de direita”.
O advento de protestos no 7 de Setembro não chega a ser novidade. Foi assim em 1983, durante a ditadura militar, quando três dezenas de pessoas foram presas. Foi assim em 2001, quando o Grito dos Excluídos terminou em pancadaria em Porto Alegre e Florianópolis. A diferença, neste fim de semana, foi a intensidade. A prisão de centenas de pessoas não era registrada há 30 anos, quando saques ocorreram no Rio durante a ditadura.
A volta dos protestos em grande escala não espanta o sociólogo Marcelo Kunrath Silva, que integra um grupo de pesquisa sobre associativismo, contestação e engajamento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele admite que Porto Alegre perdeu o protagonismo dos protestos, mas eles se mantêm, de forma menor e mais organizada. Kunrath acha que essa é a tendência: menos massas nas ruas, protestos conduzidos por militantes. E o prognóstico para o fim deste ano e 2014 é de mais mobilizações.
– Teremos protestos nas datas nacionais e, depois, muita mobilização, já que é ano de Copa do Mundo e eleições. Será algo cíclico – analisa.
NAS CAPITAIS
- Recife – Onde também existia proibição de máscaras, PMs e Black Blocs entraram em conflito quando os policiais exigiram que os manifestantes mostrassem o rosto. Quatro jovens foram presos.
- Vitória – Cerca de 150 manifestantes que carregavam cartazes e bandeiras com dizeres pedindo igualdade de direitos, melhorias nos serviços públicos e fim da corrupção entraram em confronto com a PM, após bloquearem as principais avenidas.
- Belo Horizonte – Os Black Blocs chutaram um relógio que marca a contagem regressiva para a Copa do Mundo, lançaram balões de tinta contra a PM e alguns, ao serem advertidos, viraram-se de costas e abaixaram as calças. A Polícia Militar mineira prendeu 27 manifestantes.
- Salvador – Dois ônibus foram apedrejados e lojas foram depredadas por manifestantes.
- Curitiba e Fortaleza – Nesses locais a PM agiu de forma diferente, se antecipando aos protestos e prendendo os Black Blocs. Foram 26 presos na capital paranaense e 30 detidos na cearense, antes dos desfiles, pelo fato de usarem máscaras e portarem objetos considerados perigosos.
- Maceió – A PM optou por encerrar o desfile quando os mascarados apareceram. Isso foi feito quando faltavam mil pessoas para desfilar.
- Natal – A PM prendeu apenas um manifestante, por destruir uma placa de trânsito.
Exército e BM se uniram em Porto Alegre
Agentes dos serviços de inteligência do Exército e da Brigada Militar se uniram para prevenir distúrbios no desfile de 7 de Setembro em Porto Alegre. E isso contribuiu para que não se registrassem maiores conflitos ou depredações, acredita o secretário estadual da Segurança Pública, Airton Michels:
– Até para preparação da Copa do Mundo, nosso pessoal tem mantido contato estreito com as Forças Armadas. Inclusive eu.
A combinação levou mais de 1,3 mil PMs às ruas de Porto Alegre, para patrulhamento. Misturados aos 10 mil populares que prestigiaram o desfile, estavam vários integrantes da Agência Regional de Inteligência (PM2), além de militares da S2 (serviço reservado do Exército).
Apesar da vigilância, um grupo pequeno de mascarados voltou a quebrar as fachadas de bancos no Centro. Os vândalos entraram em choque com a Brigada Militar (BM) quando voltavam para a área central de Porto Alegre, depois de terminado o desfile. Ao revistar um grupo de skinheads, PMs encontraram facas, soqueiras, canivetes e toucas ninjas.
Tentativa de invasão ao Congresso
Na tentativa de evitar que manifestantes invadissem o Congresso, PMs de Brasília usaram um caminhão com jatos de água. Os protestos eram contra o deputado federal Natan Donadon e a corrução. Nas proximidades do Estádio Nacional Mané Garrincha, outro confronto entre Black Blocs e policiais ocorreu antes do jogo Brasil x Austrália, levando à detenção de 50 pessoas.
No Rio, os Black Blocs entraram em confronto com a PM no Centro e em Laranjeiras. Após uma série de depredações, 79 manifestantes foram detidos. São Paulo também registrou confusão. Manifestantes depredaram a Câmara dos Vereadores e foram reprimidos por PMs. Três pessoas foram feridas, uma delas por estilhaços de bomba no olho.
“Porque eu quis”, diz PM após jogar gás
Virou viral nas redes sociais a performance de um capitão da PM do Distrito Federal, identificado como Bruno. Ele participava da contenção de manifestantes que tentavam invadir o Congresso. Quando alguns dos jovens estavam sentados num gramado, o oficial passou e disparou spray de gás contra manifestantes. Um deles questionou o policial sobre o porquê da atitude.
– Porque eu quis. Pode ir lá denunciar – respondeu o capitão.
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