TORTURA PSICOLÓGICA
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TORTURA PSICOLÓGICA


REVISTA ISTO É N° Edição: 2304 | 17.Jan.14 - 20:50 | Atualizado em 19.Jan.14 - 16:17

"Se a minha prisão era prioridade, por que não foi feita?"

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha acusa o supremo de usar instrumentos de cruedade contra ele, reclama que sofreu tortura psicológica e se diz angustiado com a demora para resolver sua ida à cadeia


Paulo Moreira Leite


Primeiro réu condenado no julgamento do mensalão, o deputado João Paulo Cunha pegou nove anos de prisão, mas faz parte daquele reduzido grupo que ainda não foi chamado a começar a cumprir pena atrás das grades. Depois de dar a impressão de que a prisão de João Paulo seria decretada a qualquer momento, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, tirou férias e só deve dedicar-se ao caso em fevereiro, quando voltar às suas funções, situação que criou uma rotina de incertezas e aflições adicionais na vida do deputado e de sua família. “Sinto dizer, mas o Supremo está usando instrumentos de crueldade”, disse João Paulo Cunha em entrevista exclusiva à ISTOÉ. 
 
Com 55 anos idade, 30 de mandato parlamentar, João Paulo jamais cumpriu uma pena de prisão no passado, como já ocorreu com José Dirceu e José Genoino, e, nos últimos meses, mergulhou em leituras e reflexões teóricas sobre o assunto. “É fácil imaginar a perda de liberdade por algumas horas. Basta sua mulher sair de casa e levar sua chave esquecida na bolsa. Você não poderá ir ao cinema nem visitar um amigo, nem comprar um jornal. É muito mais difícil imaginar a perda de liberdade por meses e anos num ambiente que não é sua casa”, acrescentou.



ISTOÉ – Pessoalmente, como o sr. está nesse processo?
João Paulo Cunha – Sei o que eu fiz e sei o que não fiz. Tenho absoluta certeza de que não cometi os crimes de que sou acusado e que vou pagar uma pena por algo que não cometi. No começo do julgamento eu tinha tanta certeza de minha inocência que estava me preparando para me candidatar à Prefeitura de Osasco. O resultado foi uma decepção, uma lástima. Mas tenho certeza de minha inocência.

ISTOÉ – Nas últimas semanas, sua prisão foi anunciada várias vezes e não ocorreu...
João Paulo – As pessoas não imaginam como é esse tipo de pressão. Hoje sabemos que nós, réus da Ação Penal 470, estávamos condenados há muito tempo. A carta de sentença consuma um processo brutal, muitas vezes cruel. Sinto dizer, mas o Supremo está usando instrumentos de crueldade.

ISTOÉ – Por quê?
João Paulo – Há várias semanas estou sempre em volta da prisão. Não só eu, mas a família, os amigos, numa grande angústia em razão dessa indefinição. Nada fica claro nem é previsível. Se a minha prisão era prioridade, como diziam, por que não foi feita? Se não era, por que foi anunciada?

ISTOÉ – Um ministro do Supremo disse que o julgamento foi um ponto fora da curva...
João Paulo – Foi uma curva fora do ponto. No futuro a AP 470 será lembrada como um erro parecido com o caso dos irmãos naves, aquele processo em que um delegado de polícia torturou dois inocentes para que eles confessassem um crime que não haviam cometido, com apoio dos jornais locais e de uma parte da população.

ISTOÉ – Mas vocês não foram torturados.
João Paulo – Sofremos uma forma de tortura psicológica. Eu, por exemplo, fiquei 15 dias ouvindo acusações graves, que considero totalmente falsas, sem poder me defender nem me explicar. Só no Sistema Globo de Televisão foram duas horas de acusações, um tempo imenso.

ISTOÉ – O sr. tem criticado as empresas de comunicação que poderiam ter testemunhado a seu favor, mas ficaram em silêncio.
João Paulo – Isso me deixa triste. Fui condenado pela acusação de ter assinado um contrato de publicidade que teria sido fraudado para desviar dinheiro público. Mas 70% do valor do contrato foi repassado para grandes empresas de mídia, que veicularam anúncios e campanhas. Temos as notas e os recibos. As empresas têm a prova de que os gastos foram feitos de forma regular e poderiam esclarecer isso. Elas também pagaram as comissões para a agência SMP&B. Elas sabem que esses pagamentos estavam previstos no contrato e entregaram esse dinheiro.



ISTOÉ – Além de nove anos de prisão, o sr. foi condenado a uma multa de R$ 560 mil. Como vai fazer?
João Paulo – Tenho uma única casa, a mesma onde moro há 30 anos, na periferia de Osasco. Não tenho como pagar essa multa, que é maior do que meu patrimônio. Mas é irônico notar que a multa que me cobram é superior ao dinheiro recebido por 95% das empresas que veicularam nossos anúncios.

ISTOÉ – O sr.acredita que será absolvido na condenação por lavagem de dinheiro?
João Paulo – Tenho motivos para acreditar. Não só tive cinco votos favoráveis, como, na fase inicial do julgamento, os ministros Gilmar Mendes, Ayres Britto e Eros Grau se posicionaram contra o recebimento da denúncia.

ISTOÉ – A lavagem de dinheiro se refere aos R$ 50 mil que sua esposa foi buscar no Banco Rural.
João Paulo – É uma acusação absurda. Como se pode falar em lavagem de dinheiro quando a pessoa deixa o nome, o número de identidade e a assinatura? Lavou o quê? O dinheiro tinha origem conhecida e destino definido.

ISTOÉ – Muitas pessoas não acreditam nos argumentos dos condenados da AP 470. Por quê?
João Paulo – Eu acho que a maioria das pessoas não recebeu informações adequadas sobre o julgamento. Olhe meu caso: fui condenado por peculato, mas até hoje o ministro Joaquim Barbosa não disse onde ocorreu desvio de dinheiro público nem quanto desviei. Mas hoje muitas pessoas compreendem que o julgamento não respeitou as tradições de nosso direito, a começar pelo fato de que tivemos um mesmo juiz que fez a denúncia, julgou e no fim examinou os recursos. Alguém acha que ele iria se contradizer em benefício dos réus?

ISTOÉ – Nos últimos dias o sr. perguntou publicamente ao ministro Joaquim Barbosa por que ele não assinou a ordem de prisão. O sr. está querendo ser preso?
João Paulo – Fiz essa pergunta para mostrar que não podemos ter medo de abrir a boca. É errado. Não podemos ficar na postura do personagem daquele poema sobre uma pessoa que nada faz quando roubam as flores de seu jardim, depois fica quieta quando matam seu cão e desligam a luz de sua casa até que, quando vai protestar, nada pode fazer porque também roubaram sua voz.

ISTOÉ – O sr. decidiu que não vai renunciar ao mandato?
João Paulo – A decisão sobre a renúncia ainda não está colocada. Protestei, agora, porque meu colega Henrique Eduardo Alves decidiu marcar uma reunião para discutir meu mandato antes de saber qual é minha situação jurídica, supondo que o ministro Joaquim Barbosa não assine a decisão na primeira semana de fevereiro. Ele vai fazer a reunião para discutir o quê?

ISTOÉ – O sr. irá renunciar ou não?
João Paulo – Essa é uma decisão de foro íntimo, que envolve relações políticas e pessoais também.

ISTOÉ – Como o sr. vê as denúncias de que os presos da AP 470 querem um tratamento privilegiado na Papuda?
João Paulo – Claro que sou contra privilégios, mas até agora essa discussão não me convenceu. Não há casos concretos de privilégio. Nada é preciso. Alguns parentes que falam que têm medo de privilégios. Cadê os fatos? A impressão é que querem criar uma animosidade na prisão que não interessa a ninguém.

ISTOÉ – O sr. é um dos fundadores do PT. Como vê a eleição presidencial?
João Paulo – As pesquisas mostram que a Dilma é favorita e eu acredito nisso. Não vai ser uma eleição fácil, mas eu acho que ela começa com mais de 40% das intenções de voto. Vai brigar para conquistar mais 11% ou um pouco mais. Se a economia seguir crescendo, mesmo de forma moderada, e o emprego continuar bom, acho difícil que ela venha a perder as eleições. Se ela vencer, como acredito que vai acontecer, será uma ótima oportunidade para o PT. Uma nova geração de líderes e dirigentes do partido está amadurecendo, pronta para assumir um novo lugar em 2018.

Fotos: Rafael Hupsel/Ag. Istoé



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