Justiça
TÁ TUDO DOMINADO?
MARCOS ROLIM, JORNALISTA - ZERO HORA 25/09/2011
Às vésperas do segundo turno das eleições de 2006, quando Roseana Sarney disputava o governo do Maranhão, Fernando Sarney – filho do senador Sarney (PMDB-AP) – sacou R$ 2 milhões em espécie da agência 2.192 do Bradesco, no centro de São Luís. A movimentação extraordinária foi registrada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Fazenda que identifica ocorrências suspeitas relacionadas à lavagem de dinheiro. Comunicada do fato, a Polícia Federal iniciou investigação batizada, inicialmente, como “Boi Barrica”, nome de grupo folclórico apadrinhado pelo senador. Através de escutas telefônicas autorizadas e de outras técnicas, a PF colheu indícios de vários crimes, entre eles formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. A “lavanderia” seria acionada pela São Luís Factoring, empresa da “famiglia” que movimenta mais de R$ 100 milhões ao ano e que, curiosamente, só se relaciona com empresas dos Sarney. O jornal O Estado de S. Paulo foi proibido de falar sobre este tema. A censura foi imposta pelo desembargador Dácio Vieira, a pedido de Fernando Sarney. O ilustre magistrado foi consultor jurídico do Senado e pertence ao círculo de amigos do senador Sarney e de Agaciel Maia, o ex-todo-poderoso diretor-geral do Senado.
Pois a 6ª turma do STJ acaba de anular toda a investigação. O argumento é de que não haveria motivo suficiente para a quebra de sigilo dos suspeitos. Com a decisão, quatro anos de investigações da PF serão jogados no lixo. De fato, como o disse o ex-presidente Lula, “Sarney não é uma pessoa comum”. O STJ vai se especializando em anular investigações da PF contra grupos poderosos e as composições das turmas parecem se moldar como por mágica – porque alguns estão de férias, porque outros se declaram impedidos, porque se convoca substitutos – às qualidades dos pizzaiolos.
Antes, as provas colhidas contra Daniel Dantas na Operação Satiagraha e as provas da Castelo de Areia contra diretores da Camargo Corrêa e altos funcionários públicos também já tinham ido para a banha. Para cada caso, um argumento criativo é sacado do coldre para fulminar qualquer pretensão de punição à delinquência engravatada. A mesma disposição, é claro, não costuma frequentar o voto dos ministros quando os acusados não possuem poder. O relator no caso da Boi Barrica, ministro Sebastião Reis Júnior, precisou de apenas seis dias para debulhar o extenso processo e elaborar um voto de 54 páginas. A decisão, tomada em uma sessão, sem qualquer dúvida ou pedido de vista, está sendo comemorada pelas grandes bancas de advocacia do centro do país, que, agora, têm mais um precedente para livrar seus clientes das Operações Voucher, Navalha, Mãos Limpas e Caixa de Pandora. E, ainda por cima, um editorial da Folha de S.Paulo desta semana afirmou que “os excessos do Ministério Público e da Polícia Federal estão expondo o Judiciário a um desgaste público”. Ãrram... Uma parte dos donos da imprensa, como se sabe, é muito compreensiva com o Judiciário, e as redações não precisam nem ser avisadas desta, digamos... sensibilidade. Haverá limite para a desfaçatez? Ou, como me perguntou um aluno no IPA outro dia: “Professor, tá tudo dominado mesmo”?
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