RECURSOS DO MENSALÃO. Réus se livram de pena por quadrilha
No epílogo do julgamento do mensalão, a absolvição de oito réus da condenação por formação de quadrilha tem impactos jurídicos, políticos e até mesmo pessoais. A decisão – que rachou o plenário em seis votos contra cinco – foi selada pelas posições de dois novos magistrados que passaram a integrar a Corte após a primeira parte do julgamento, em 2012, quando a maioria do colegiado havia optado pela condenação.
O primeiro efeito da reviravolta é na punição dos réus, beneficiando principalmente a antiga cúpula do PT. O ex-chefe da Casa Civil José Dirceu pode deixar a cadeia no final de outubro. Ele foi condenado inicialmente a 10 anos e 10 meses de prisão pelos crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha, mas, ao ser inocentado do último delito, teve sua pena reduzida para sete anos e 11 meses. Como é inferior a oito anos de prisão, ele passou automaticamente a ter direito a cumprir pena no semiaberto, no qual já se encontra.
A legislação prevê que o condenado tem direito a ir para um regime mais favorável se cumprir um sexto da pena. Dirceu, preso desde novembro, poderia pedir para ir para o regime aberto em março de 2015. Só que ele já está sendo beneficiado por outro expediente legal: a remição da pena por trabalho. A cada três dias trabalhados, um dia da condenação é descontado. Ele trabalha na Penitenciária da Papuda, inicialmente fazendo faxina e depois na biblioteca, desde dezembro. Pelas contas de pessoas próximas a Dirceu, em outubro ele poderá ir para o regime aberto. Na prática, como não há casa de albergado em Brasília destinada aos condenados a esse regime, ele automaticamente irá para a prisão domiciliar.
Delúbio Soares também garantiu direito ao semiaberto. Em dezembro deste ano, ele já poderá cumprir pena em regime aberto porque já terá transcorrido um sexto do total. Mas, como dá expediente na CUT, também pode ir para o aberto em outubro. A Justiça, porém, suspendeu ontem o direito dele ao trabalho.
Do ponto de vista político, a mudança foi considerada uma vitória para os petistas, que a classificaram com o “fim de uma farsa”. Isso porque a revisão derruba a tese da Procuradoria-Geral da República de que houve uma quadrilha no mensalão, chefiada por Dirceu.
– A absolvição atinge o coração, o cerne da acusação – disse o defensor do ex-ministro, José Luis Oliveira Lima.
Em setores da oposição, a deliberação foi minimizada. O senador Aécio Neves (PSDB-MG), pré-candidato à Presidência, evitou criticar o STF e a posição dos novos ministros, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki. Ambos substituíram Ayres Britto e Cezar Peluso, que, em 2012, haviam sido duros com os réus. “O fato concreto é que a mais alta Corte do Brasil condenou, pela primeira vez, por crimes extremamente graves, um grupo de importantes agentes públicos. A expectativa da sociedade brasileira é de que esse precedente possa ser pedagógico”, afirmou Aécio, por meio de nota.
O mais abalado foi o presidente da Corte, Joaquim Barbosa. Pouco antes de proclamar o resultado, ele disse que uma maioria “sob medida” foi formada e, com votos “pífios”, criou uma “tarde triste para o Supremo”:
– Sinto-me obrigado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo, porque essa maioria de circunstância tem todo o seu tempo a favor para continuar com a sua sanha reformadora.
Iniciado em 2012, o julgamento chega praticamente ao seu fim. Restam apenas decisões sobre recursos de três condenados por lavagem de dinheiro, entre eles João Paulo Cunha.
O QUE ESTAVA EM DEBATE
A revisão da pena se deveu ao fato de as condenações terem ocorrido em votações apertadas
Argumentos pela condenação
O relator dos recursos, Luiz Fux, destacou que provas no processo demonstram a existência de quadrilha com a intenção de corromper parlamentares e fraudar empréstimos durante o governo Lula.
Fux ressaltou que “houve a entrega de quantias em hotel, saques em boca de caixa e contratação de carro-forte”. Segundo ele, a Corte entendeu que esses atos exigiram uma logística complexa, atendendo a todos os integrantes do esquema.
Por isso, houve a formação de um grupo estável para praticar crimes. E esse “projeto delinquencial” atentou contra a paz pública e a democracia.
Argumentos pela absolvição
A tese contrária ao crime de quadrilha foi levantada pela ministra Rosa Weber no julgamento, em 2012. A argumentação contrariou a sustentação de Barbosa.
De acordo com ela, pode ser considerada quadrilha a reunião estável com fim de “perpetração de uma indeterminada série de crimes”. Rosa sustentou que os réus não se uniram com o objetivo de formar “uma entidade com vida própria”.
Já Lewandowski afirmou que os condenados se uniram para obter vantagens individuais, sem a intenção de ameaçar a ordem pública, o que não caracteriza quadrilha, e sim coparticipação em um crime.
Reviravolta divide meio jurídico
A decisão do STF de absolver os condenados do crime de quadrilha abre um debate no meio jurídico. Para alguns, a revisão é prejudicial à imagem da Corte e pode ter reflexos negativos na jurisprudência. Para outros, tem o mérito de corrigir excessos e afastar o componente político atribuído ao caso.
O criminalista Lúcio de Constantino está entre os críticos da decisão, que classifica como “equivocada”. Ele diz que a reviravolta tem potencial para gerar insegurança jurídica:
– O resultado preocupa, e não tenho dúvidas de que a decisão é um marco negativo na história do Supremo. Havia fundamentos jurídicos para manter as penas. Do contrário, por que os argumentos apresentados hoje (ontem) não foram observados antes? Custo a acreditar que a decisão teve ingredientes políticos, mas é o que parece.
O professor de Direito Penal Alexandre Wunderlich e o criminalista Nereu Lima consideram o desfecho tecnicamente irretocável. Para Wunderlich, o voto de Luís Roberto Barroso, que questionou a desproporção das penas, foi “corretíssimo”:
– É abominável aumentar uma pena só para evitar a prescrição. Sem contar que há fatos graves com penas bem menores. Essa retomada dos padrões usuais é importante.
Lima entende que o STF agiu “rigorosamente com base na lei” e que é preciso dar um “voto de confiança aos ministros”.