Justiça
QUANDO O COMANDO DO CRIME É O GABINETE
Milton Corrêa da Costa - 14/04/2011 O vereador carioca Luiz André Ferreira da Silva (PR), conhecido como Deco, foi preso nesta quarta-feira (13) sob a acusação de chefiar um grupo miliciano . As investigações concluíram que o vereador, já denunciado na CPI das Milícias da Alerj, presidida pelo jovem e sério deputado Marcelo Freixo (PSOL), utilizava o próprio gabinete legislativo como escritório da quadrilha de milicianos que atua em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio. Deco é acusado inclusive de compra de votos e coação de eleitores. Terá agora que provar ao contrário. Em sua defesa, afirma tratar-se de perseguição política.
Tal fato me reporta a uma histórica, realista e impressionante entrevista do GLOBO com o antropólogo Luiz Eduardo Soares , ex-secretário Nacional de Segurança Pública, publicada na edição de 19 de outubro de 2010. Co-autor dos livros "Elite da Tropa" e "Elite da Tropa 2", a segunda obra trata das milícias, onde o conhecido estudioso da violência urbana as considera como a maior ameaça ao estado democrático de direito. Destaca-se o trecho em que o antropólogo, que já exerceu cargos importantes na área de segurança pública nos três níveis de poder, afirma, ao ser perguntado por que considera que "o tráfico já era", o seguinte: "O tráfico é um negócio específico, com nicho de mercado. E as milícias trabalham com todas as possibilidades que a economia local oferece. Trabalham também eventualmente com drogas. Existe a ideia de que milicianos matam os traficantes e libertam as comunidades. Mentira. Eles preferem lugares abandonados. E fazem acordos quando o tráfico local é frágil. Os traficantes até trabalham para os milicianos", disse.
Ao compararmos o que disse o estudioso com a ação das milícias que atuam no Rio de Janeiro e a consequente repressão policial de hoje, fica evidente que a história do mundo policial mostra que, quando o poder político, em sua missão na gestão da segurança pública, confere o necessário apoio ao aparelho policial para o combate sério e legal a atividades criminosas, sem interferências de qualquer ordem, os resultados positivos aparecem fazendo crescer a própria credibilidade de sua polícia.
Assim sendo, as ações de combate à praga das milícias, desencadeadas especialmente há algum tempo pela Polícia Civil do Rio, foram um marco altamente positivo no desmantelamento de grupos paramilitares - recentemente a Polícia Federal prometeu também entrar nessa guerra - que durante um bom tempo, num crescimento assustador, se consideravam acima do bem e do mal, pelo uso ilegal da força, da ameaça, da coação e da extorsão. Em três anos, cerca de 450 milicianos, entre eles políticos, policiais civis e militares, bombeiros, integrantes das Forças Armadas e civis foram presos no Rio acusados do envolvimento com tal espécie criminosa. Alguns encontram-se trancafiados em penitenciárias de segurança máxima fora do estado.
Tal ação policial repressora é digna de louvor e precisa prosseguir com todo rigor em nome da ordem pública. A milícia é uma perigosa prática criminosa que conta com o comando de um grupo de desvirtuados agentes da lei - desprovidos dos conceitos de decência, ética e da disciplina - e de alguns líderes políticos locais, ocupando o vácuo deixado pelo estado, sob o argumento (falso) do oferecimento da proteção e da segurança e usurpando função pública, com a finalidade do lucro fácil e extorsivo. Obriga, no domínio exercido sobre os moradores de uma comunidade, ao pagamento do serviço ilegal prestado, como participação em negócios imobiliários, cobrança de "taxas extras" a comerciantes, além da obrigatoriedade de aquisição exclusiva, por moradores, de bens e uso de serviços, envolvendo sinal clandestino de TV a cabo, gás e transporte local irregular. Uma série de desmandos que conta com o uso frequente, por parte dos milicianos, do poder de armas de grosso calibre.
Os milicianos têm por hábito a imposição primeira do terror. Moradores do Recreio dos Bandeirantes já denunciaram em matéria do GLOBO que milicianos ordenam a prática de roubos na região para posteriormente vender seus serviços. Praticam também assassinatos, tortura, estupros e outros tipos de crimes.
Abre-se aqui um parênteses, por dever de justiça, para ressaltar a firme atitude do deputado estadual Marcelo Freixo, uma importante voz no combate às milícias, permanentemente ameaçado de morte. Contando com o apoio irrestrito dos delegados Vinícius George e Claudio Ferraz, teve a coragem, ao presidir a CPI das Milícias na Alerj, de colocar o dedo na ferida, investigando e denunciando tal prática perniciosa que durante alguns anos, pela falta de combate efetivo, crescia de forma assustadora em diversas localidades, numa perigosa ameaça à sociedade e à ordem pública.
A milícia é, portanto, um crime típico de extorsão, constrangimento ilegal, ameaça, usurpação de função pública e de formação de quadrilha, que, tal e qual o tráfico, tem que ser combatido em todas as suas bases e ramificações. Ponto para o aparelho policial e para o Ministério Público. O preço da liberdade é a eterna vigilância.
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