PEC DOS RECURSOS COLOCA CONSTITUIÇÃO EM JOGO
Justiça

PEC DOS RECURSOS COLOCA CONSTITUIÇÃO EM JOGO


DIREITOS ABSOLUTOS. Walter Alexandre Bussamara é advogado e sócio do escritório Walter Bussamara Advocacia e Consultoria Jurídica, mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da PUC-SP. Revista Consultor Jurídico, 24 de outubro de 2011


Fomentada pela perene expectativa em face de uma mais célere e efetiva Justiça, nossa Magistratura, em peso, parece estar convicta quanto aos efeitos positivos a serem desencadeados pela Proposta de Emenda Constitucional que pretende modificar o atual modelo de execução das decisões judiciais proferidas.

Esta proposta, de autoria do presidente do Supremo Tribunal Federa, o eminente ministro Cezar Peluso, que vem sendo chamada de PEC dos Recursos, visa a tornar terminativas as decisões emanadas, ordinariamente, pelos tribunais de segunda instância, as quais já passariam a ser, desde então, exequíveis, sob o manto da coisa julgada. Com isso, os atuais recursos Especial e Extraordinário, previstos constitucionalmente (artigos 105, III, e 102, III, respectivamente), continuariam a existir, porém, sob uma renovada conjectura. Igualar-se-iam, assim poderíamos dizer, a uma espécie de Ação Rescisória, que se veria materializada já com o trânsito em julgado daquelas decisões ordinárias.

De fato, caso aprovada a alteração constitucional, em questão, a admissibilidade dos aludidos recursos não obstará mais, sem qualquer exceção, o trânsito em julgado das decisões que os comportarem[1]. Noutras palavras, estaremos diante de um encurtamento de fases processuais que, inobstante seja bem intencionado e provoque uma sempre desejada celeridade processual, trará um benefício, apenas, aparente. Esconderá, por trás, o tolhimento de um direito, ao menos em sua plenitude, fortemente consagrado em nosso Ordenamento Positivo, em meio a um cenário, com a máxima das vênias, desesperadamente maquiavélico, em que os fins justificariam os meios.

Com efeito, atendo-nos ao capítulo constitucional condizente com os direitos e garantias fundamentais, percebemos com solar clareza a individualização, pelo legislador constituinte originário, de direito atinente ao exercício da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art.5º, LV, CF), devendo a sua melhor hermenêutica ser sistematizada com a dicção dos já referidos artigos 105, III e 102, III da CF. Segundo os dispositivos, caberão os recursos Especial e Extraordinário, respectivamente, quando, em linhas gerais, depararmo-nos com decisões que afrontem uma dada lei federal ou a própria Constituição, sob uma circunstância, porém, obstativa do trânsito em julgado das referidas decisões.

Podemos verificar, então, a materialização, originária, em nível de supremacia constitucional, de direito individual condizente com a defesa ampla. No nosso caso, encorpada pelos citados recursos maiores, nos exatos moldes em que foram definidos pela própria Carta da República, com a inerente força de obstar o trânsito em julgado, nos autos, até as derradeiras apreciações das decisões que os alicerçam. Aliás, o julgamento dos aludidos recursos, a bem da verdade, condiciona a ocorrência da coisa julgada, sendo este o desenho constitucional do direito individual em apreço.

E por terem, tais recursos, sob a aludida circunstância, sido eleitos como remédios extremos pela Constituição, em confirmação axiológica ao próprio primado da ampla defesa, de sorte a assumirem verdadeiro status de direitos constitucionais fundamentais, não poderiam ser objeto de qualquer proposta de emenda que lhes viesse a suprimirsua própria eficácia. Esta manifestada no sentido de obstar, até seu julgamento final, a coisa julgada, ao menos, querendo-se ver respeitadas as determinações do artigo 60, parágrafo 4º, IV, daquela Carta, segundo as quais: “P.4º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.”

Desta feita, estamos diante de limitação construída pela própria Constituição, que impede qualquer atuação, derivada, ameaçadora de direitos fundamentais que, originariamente, pretendeu erigir, interessando-nos aqui os relativos à ampla defesa e aos recursos extremos de competência das Cortes Superiores, na condição de verdadeiros óbices à coisa julgada.

Pensamos, então, que a nossa Constituição nos permite entender, sim, que o acesso aos Tribunais Superiores, sempre antes da decretação do trânsito em julgado em um processo, constitui-se em direito subjetivo fundamental das partes litigantes. E proteger esse direito equivale a preservar, em última análise, o magno sobreprincípio da segurança jurídica, em todas as vertentes do mundo fenomênico (tributária, penal, civil etc.), como corolário direto e mais relevante de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Não se poderia conceber, de fato, qualquer justificativa de que o excesso de recursos, como os extremos, impediria a celeridade da prestação jurisdicional, mormente, quando estamos a tratar de direitos a recursos nascidos, convém repetirmos, no próprio bojo da Constituição. Ademais, a atual morosidade judiciária ultrapassaria, por certo, as fronteiras de qualquer comportamento abusivo relacionado à interposição dos aludidos recursos.

Antes, ainda, outras causas suas apareceriam, merecedoras de prioritária atenção dos detentores do Poder, com destaque às imensas formalidades burocráticas dos recursos atuais e à falta de maiores e mais programados investimentos financeiros e humanos dentro dos órgãos jurisdicionais.

Vários exemplos poderiam bem refletir um aprimoramento da máquina judiciária atual, tais como, a simplificação dos requisitos formais de admissibilidade recursal visando a um maior ganho de eficiência e segurança em todas as instâncias; a revisão dos privilégios fazendários, representados pelo prazo em dobro para recorrer, com o duplo grau obrigatório diante das sentenças que lhe sejam desfavoráveis; o fomento tecnológico programado e a todos acessível; a ampliação pessoal da capacidade de julgar e de apoio técnico; a adequação e capacitação físicas do ambiente de trabalho etc.

Ademais, também não podemos nos esquecer de que, no caso dos recursos extremos, inobstante as lacunas acima referidas, já são os mesmos dotados, de certa forma, de expedientes, de per si, propulsores de uma maior celeridade de tramitação. Com destaque aos institutos da “representatividade da controvérsia” (no recurso especial) e da “repercussão geral” (no recurso extraordinário).

Enfim, é a própria Constituição que está em jogo, permitindo-nos, sinceramente, desejar que o próprio STF, enquanto seu legítimo guardião, venha a melhor e, ainda em tempo, reavaliar a sua proposta de emenda à Carta das Cartas. É na intentio constitutiones que se deve assentar o almejado Pacto Republicano, onde, tanto a sociedade como o governo, devam sair vitoriosos na luta por um Poder Judiciário mais dinâmico e funcional.

Afinal de contas, os direitos constitucionais individuais não podem se constituir como “simples letras mortas” ou, como “meras recomendações”, apenas circunstancialmente integrantes do Texto Maior.

[1]Proposta redacional para a CF: “Art. 105- A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.”

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A constituição já foi colocada em jogo quando produziram várias emendas alterarando o texto e a finalidade de diversos dispositivos originais. É uma carta-magna esdrúxula e detalhista que precisa ser substituída por outra mais enxuta e com textos próprios de uma verdadeira constituição. Já está na hora de tirar da constituição a centralização burocrata da justiça, direitos sem deveres, benefícios sem contrapartidas, corporativismo cheio de privilégios, os dispositivos utópicos, os títulos impróprios, e as divergências com os ótimos princípios apresentados nos primeiros artigos da carta-magna. Só assim poderemos descentralizar o transitado em julgado; reduzir os recurso; diminuir os prazos e instâncias; fortalecer o juiz natural e os tribunais regionais; tornar o voto facultativo; submeter o interesse individual à supremacia do interesse público; extinguir o Senado Federal; limitar o orçamento e o número de servidores no Legislativo; tornar obrigatório o trabalho prisional; entre outra mazelas que violam os princípios democráticos e republicanos, o direito administrativo e a paz social no Brasil.



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