PARECE, MAS NÃO É
Justiça

PARECE, MAS NÃO É


Flávio Tavares, jornalista e escritor - ZERO HORA 22/04/2012

Dois fatos me fazem reviver, nesta semana, a peça de Luigi Pirandello Assim É, se lhe Parece, na qual os limites estreitos entre verdade e fantasia criam uma ilusão que esconde a realidade profunda. Primeiro, na Argentina, onde o governo reestatizou a empresa petrolífera YPF, que em 1998 fora entregue aos espanhóis num presente tão benévolo, que recordava os tempos do país-colônia. Depois, no Brasil, onde a Justiça extinguiu a pena a que o banqueiro italiano Salvatore Cacciola fora condenado por fraudes bilionárias.

Na Argentina, sob o patriótico manto do restabelecimento da soberania nacional sobre um cobiçado recurso natural, o ato da presidente Cristina Kirchner encobre pequenas e grandes falcatruas em torno do petróleo bilionário. E, ao mesmo tempo, desnuda tropelias e manobras da empresa espanhola Repsol, acionista majoritária, que – ao deixar de reinvestir – transformou aquele país de grande produtor em mero importador de gás. Perón morreu em 1974, mas (por lá) tudo ainda se faz em nome dele e, assim, em 1998 o peronista Carlos Menem privatizou a YPF – Yacimientos Petrolíferos Fiscales. Entre os veementes defensores da medida, estava o casal Kirchner – ele, governador de uma província produtora de petróleo e gás, ela deputada federal.

Anos após, numa artimanha legal do peronista presidente Nestor Kirchner, a família Eskenazi (noviça na área de petróleo e sem aplicar um tostão) obteve 25% da empresa, a pagar com os próprios lucros futuros. Tanta dádiva gerou uma pergunta: os aquinhoados seriam testas de ferro do casal Kirchner ou de outros chefes peronistas?

Criada em 1924, 30 anos antes da Petrobras, a YPF argentina foi pioneira na América Latina. Privatizada, foi simplesmente “esvaziada” pelos donos espanhóis, que (quase sem reinvestir em 14 anos) enviaram à Espanha mais de US$ 22 bilhões. Em 2010, os lucros chegaram a 225%, por exemplo, mas a presidente Cristina continuou a elogiar a gestão da empresa, onde os representantes do governo nada reclamaram.

Agora, Antonio Brufau, presidente da espanhola Repsol, diz que o comportamento da presidente mudou “depois que nos negamos a pagar comissão” a altos membros do governo. A reestatização seria apenas “retaliação ou vingança”, pois só a parte espanhola na empresa foi expropriada, sem tocar nos 25% do grupo privado argentino, que nem sequer pagou pelo que adquiriu.

O tom patriótico da renacionalização vira duvidosa suspeita. Ou, como disse em Buenos Aires o jornal La Nación, a trajetória recente da empresa “ilustra as deformações do capitalismo na América Latina”.

Entre nós, o banqueiro Salvatore Cacciola já desfruta de liberdade definitiva. Mentor e beneficiário da quebra fraudulenta do Banco Marka, fora condenado a 13 anos de reclusão, mas cumpria a pena em regime semiaberto.

Dias atrás, ao completar 60 anos e cumprir um terço da condenação, a Justiça extinguiu a pena e ele está livre “pois não cometeu falta grave nos últimos 12 meses”. Já não precisará fugir, como o fez 13 anos atrás, quando burlou um habeas corpus do Supremo Tribunal e escapuliu para a Itália. Nosso sistema judicial é assim: benigno e generoso com o grande crime. O leniente não é o juiz, mas a lei. O juiz só a aplica. E, se não a aplicar, será responsabilizado por descaso e omissão.

E os senadores e deputados que fazem as leis, por acaso não veem nem sentem o crime? Ou convivem tanto com o delito, que (conscientes ou não) tomam o crime como água que aplaca a sede?

Se assim não é, não lhe parece? – pergunto, num arremedo de Pirandello.



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