Justiça
OS CANHÕES E A SEGURANÇA PÚBLICA
WANDERLEY SOARES, O SUL
Porto Alegre, Sexta-feira, 02 de Março de 2012.Os salários são discutidos em sessões que parecem uma dança de vampiros em que os negociadores do poder evitam os espelhos
Um trabalho de irrepreensível competência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) que teve, como o tema merece, destaque especial na edição de ontem de O Sul, apontou que a maioria dos brasileiros - 91,7% - entende que as Forças Armadas, Exército, Marinha e Aeronáutica, devem ser empregadas no combate à violência e à criminalidade. Ora, pensei eu aqui na minha torre, num país assolado em passado recente por uma ditadura militar que deixou uma herança ainda viva de feridas abertas e cicatrizes definitivamente doloridas, num primeiro momento, isso pode parecer uma contradição, um esquecimento prematuro de um período de obscuridade dolorosa cujas vítimas sobreviventes e verdugos poderosos circulam por nossas festas. De outra banda, ao tentar fugir de um raciocínio simplista sobre o clamor das ruas, chego a entender que um voto de confiança, alheio aos porões da ditadura, foi aberto para as forças armadas. Mesmo que a pesquisa não tenha a força de um plebiscito, a partir dela é possível projetar que o povo quer os canhões de volta às ruas com a bandeira dos cidadãos de bem contra a bandidagem. Sigam-me
FracassoAinda que recolhido à condição de um humilde marquês, cumpre-me reconhecer que, com o processo democrático que sucedeu à ditadura, as novas gerações de militares, os de pijama nem tanto, assumiram um relacionamento de grandeza igual à de seus irmãos civis. O resultado da pesquisa do Ipea tem nesse relacionamento um peso importante, porém não é o decisivo. O peso de maior gravidade nessa pesquisa é o fracasso dos governos estaduais (o RS é um dos exemplos), referendado pelo governo federal, no estabelecimento de uma política de segurança pública que não viva de operações episódicas, midiáticas, pirotécnicas, ao mesmo tempo em que divide as organizações policiais em castas. Há os amigos do rei, a família dos palacianos e os da periferia. Os efetivos são bisonhos, o material de trabalho, desde a simples caixinha de clips, é escasso, os móveis devorados por cupins, os prédios acanhados onde policiais são obrigados a assumir as tarefas de serviços gerais. Os salários são discutidos em sessões que parecem uma dança de vampiros em que os negociadores do poder evitam os espelhos. Brigadianos trabalham escondidos como seguranças desde joalherias até de cabarés para custear a manutenção de suas famílias. Os inquéritos se empilham nas mesas da polícia judiciária e nas ruas há um policiamento de figuração que é pouco durante o dia e invisível ao anoitecer. No RS, os peritos sequer contam com motoristas para deslocamentos aos locais de crime. O epílogo desse tema não envolve mistério, não tem suspense. A sociedade quer policiamento. Diante do fracasso das políticas dos governantes estaduais, passa a clamar pelos canhões nas ruas.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Tem toda razão o nosso marquês do alto da sua torre de observação. Diante do evidente e comprovado fracasso da democracia brasileira na segurança pública e promoção da paz social, o povo brasileiro se volta para os antigos "ditadores" quando as leis, a justiça e os aparatos de segurança pública eram muito mais ativos e fortalecidos. Sem entrar no mérito deste "fortalecimento", o pedido da sociedade para o emprego das forças armadas é um pedido de socorro, é a busca de um salvador da pátria, seja quem for diante da descrença nas polícias e na justiça. Esta pesquisa deveria servir de ALERTA. Ou os governantes (Executivo, Legislativo e Judiciário) se voltam para aplicação de alternativas sérias nas questões de ordem pública, ou se omitem e deixem os militares ocuparem as ruas armados de canhões, urutus, fuzis, granadas e espíritos treinados para a guerra regular para combater o crime do jeito que sabem e estão preparados.
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