O SONO DAS ARMAS NOS FÓRUNS
Justiça

O SONO DAS ARMAS NOS FÓRUNS


Por força das atividades que exercem, os juízes de Direito identificam com facilidade as patifarias do mundo em que vivemos e acabam, até mesmo, especialistas no assunto, o que é necessário para a sua autodefesa. Em vista disso, é absolutamente inaceitável que alguns deles mostrem sinais de ingenuidade e facilitem, por pura omissão, o roubo de armas que se encontram dormindo nos Fóruns. Um juiz ingênuo é algo que destoa da atividade jurisdicional, mas, infelizmente, isso vem ocorrendo há algum tempo, sob um silêncio eloquente do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Não é possível que os esforços policiais para o combate ao crime e a apreensão de armas se tornem inúteis com a retomada desse arsenal ofensivo pelos mesmos ou outros criminosos. Sem nenhuma dúvida, falta uma ação saneadora dos órgãos dirigentes, tanto do Judiciário como do Executivo estadual, além das Forças Armadas.

As armas depositadas nos Fóruns são produto de crimes praticados e ali se encontram na maior parte das vezes por uma espécie de preguiça contagiante. Raramente, feitas as prisões e as perícias necessárias envolvendo armas, há a necessidade de que se encontrem disponíveis para o juiz encarregado do julgamento.

Na grande maioria dos casos é possível inutilizá-las ou entregá-las para o uso das polícias, antes que caiam de novo nas mãos das quadrilhas, mas, incrivelmente, isso que está à vista de todos ainda não mereceu nem atenção nem solução. Cada vez que um Fórum é arrombado e os assaltantes levam as armas, como ocorreu dias atrás em Mogi das Cruzes, a população se revolta, os jornais, rádios e televisões dão destaque, mas logo ficamos todos prisioneiros de um esquecimento que é lamentável.

Neste momento, sobretudo, em que há um esforço nacional para o desarmamento da população brasileira, não se pode admitir que as armas permaneçam disponíveis para os ladrões em Fóruns sem a necessária vigilância. Os roubos sucessivos noticiados pela imprensa demonstram que arrombar o Fórum e levar as armas não apresentam dificuldade para os ladrões.

Juiz algum será criticado ou crucificado se destruir armas, que em nosso país representam um potencial homicida incomparável. Realmente, as notícias do dia a dia deixam claro que o número de homicídios com armas de fogo no Brasil ultrapassa, incrivelmente, o total de mortes na guerra entre palestinos e israelenses.

Por incrível que pareça, esse assunto, já velho de barbas brancas, foi objeto de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) que tramitou pelo Congresso Nacional, mas, até agora, não teve o desejável efeito de nos livrar do perigo. O deputado federal Paulo Pimenta, do Partido dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul, foi o relator da CPI e insistiu o tempo todo na vulnerabilidade dos Fóruns brasileiros.

Com a experiência de quem viu de perto o problema, fez uma declaração emblemática: "É inadmissível que armas com potencial de uso continuem sendo armazenadas em Fóruns, que são locais que apresentam grande fragilidade na segurança. Essa prática só alimenta as fontes de desvios de armas e munições com destino ao crime".

Levantamento feito no Congresso pela mencionada CPI demonstrou que 73 Fóruns já foram objeto de furto por criminosos interessados nas armas ali depositadas. A falta de segurança, a carência de recursos humanos e instalações inadequadas são fatores que facilitam essa ação dos criminosos.

Pela legislação em vigor, o Judiciário é responsável pelas armas que fazem parte de processos e servem como provas criminais, mas nenhuma lei aponta o Fórum como local adequado para esse armazenamento. Tal circunstância, sem dúvida alguma, permite que os juízes, livres da mencionada ingenuidade, encontrem uma saída, que existe e está na lei.

Caso a ortodoxia jurisdicional ache necessário manter as armas nos Fóruns, ainda será possível modificar o mecanismo de cada uma delas para torná-las inúteis, como, por exemplo, eliminar o gatilho, tornando impossível detonar o cartucho.

Há uma questão legal intrincada decorrente do fato de ser privativo da União legislar sobre armas, conforme o artigo 22, inciso XXI, da Constituição federal. Em vista disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu seguidas vezes que é atribuição do Juízo de Direito a designação da unidade do Exército onde serão entregues as armas e munições apreendidas em processos judiciais findos, para serem destruídas.

Assim, caberia ao Comando do Exército a atribuição de determinar em quais unidades da organização militar serão as armas e munições levadas à destruição. Mas, como isso não é feito, e há um desinteresse coletivo em torno do assunto, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou a Lei 11.060/2002, que faculta a transferência das armas de fogo, produtos de crime, apreendidas e à disposição da Justiça, para uso de policiais civis e militares.

Tal norma poderá encerrar a ideia de que o Estado de São Paulo passou a legislar a respeito de tema privativo da União, mas não é assim. A Constituição federal, em seu artigo 24, parágrafo 2.º, dispõe que a competência da União para legislar sobre normais gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; e, ainda, que, inexistindo lei federal, os Estados poderão exercer sua competência legislativa plena, para atender às suas peculiaridades.

Isso quer dizer que a lei paulista é válida e as armas apreendidas não precisam ficar armazenadas nos Fóruns, à disposição dos ladrões. O juiz pode e deve transferi-las para a Secretaria da Segurança Pública. Falta, lamentavelmente, uma instrução direta do Tribunal de Justiça aos seus integrantes. Ou seja, falta que todos acordem.


ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR - DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, JORNALISTA E ADVOGADO. O Estado de S.Paulo - 27/06/2011



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