O RIO GRANDE INDIGENTE
Justiça

O RIO GRANDE INDIGENTE


EDITORIAL ZERO HORA 03/08/2011

O retrato social mostrado pelas reportagens que Zero Hora publicou de domingo até a edição de hoje é perturbador para um Estado que se considera homogêneo e detém a quarta economia do país. Boa parte dos gaúchos foi apresentada, com a série “O Rio Grande indigente”, a uma realidade quase invisível. A miséria exposta pelos grandes centros urbanos tem a companhia de cenários semelhantes, e muitas vezes mais degradantes, em regiões que a percepção média identifica como prósperas. Esse Rio Grande pouco percebido, distante das metrópoles, é vizinho de áreas produtivas e abriga um vasto contingente de pessoas na indigência. Somados, os gaúchos em pobreza extrema são 385 mil, ou seja, de cada 200 habitantes do Estado, sete não têm renda suficiente para se manter com dignidade.

O quadro denunciado pelas reportagens é desalentador sob qualquer ponto de vista. Pessoas que sobrevivem com menos de R$ 70 mensais, a renda mínima definida pelo governo para quem enfrenta situação de miséria, não têm emprego fixo, não contam com estradas, esgoto e, o que é pior, não dispõem, na maioria dos casos, de escolas em condições de oferecer a mais tênue perspectiva de mudança. São, enfim, gaúchos sem esperança, que veem no socorro governamental do Bolsa-Família ou de programas estaduais apenas uma forma de atenuar sofrimentos.

A série constrange por ser reveladora de uma face que o Rio Grande do Sul parece querer manter deliberadamente escondida, pela sucessão de omissões governamentais, como se fosse uma chaga comprometedora da imagem que difundimos interna e externamente. Alienar essa porção miserável do Estado é tudo que não podemos fazer. Sem ignorar a importância do suporte dos programas sociais, o Rio Grande deve pretender bem mais do que ajudas emergenciais e temporárias.

A indigência gaúcha, predominantemente rural, num Estado que se autoproclama celeiro do Brasil, chega ao ponto de provocar a suspensão das aulas, como aconteceu em Redentora, porque índios não têm roupas suficientes para se agasalhar em pleno inverno. As soluções passam pelas tentativas de criação de oportunidades econômicas, como já vem sendo feito em parte da Região Sul, mas não serão efetivas e duradouras se ignorarem o déficit representado pela precária educação pública fundamental. Quase todos os retratos mostrados nas reportagens revelam famílias resignadas com a indigência, porque até mesmo a escola, assim como está, pouco representa para seus filhos, como observa o professor Flávio Comim, estudioso da economia da pobreza, da UFRGS.

Só uma reforma profunda no modelo de ensino, que contemple as demandas de populações pobres em localidades de difícil acesso, será capaz de dar algum sentido aos ensinamentos formais que recebem. A anunciada reformulação no ensino, pelo governo do Estado, será parcial se for limitada a mudanças no currículo do Ensino Médio. As transformações devem ser mais amplas e fortalecer também o Ensino Fundamental. Cabe ao setor público, em mobilização com as comunidades, oferecer perspectivas concretas de reversão da miséria, para que a indigência da educação não continue multiplicando nossas penúrias sociais.



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