O QUE VOCÊ NUNCA DEVE PERGUNTAR A UM AMERICANO
Justiça

O QUE VOCÊ NUNCA DEVE PERGUNTAR A UM AMERICANO





ZERO HORA 16 de dezembro de 2015 | N° 18387


DAVID COIMBRA



Se tem algo que aprendi sobre os americanos, nesse tempo morando no norte do mundo, é o seguinte:

Nunca, NUNCA!, pergunte a um americano qual é a sua idade.

Eles ficam irritados.

Mas preciso ressaltar que os americanos são extremamente gentis e educados.


Você está no supermercado, empurrando o carrinho. Aí, quando faz a curva para entrar num corredor, lá está um americano agachado, lendo o rótulo das latas de massa de tomate. Você para, esperando que ele saia da frente. Então, ele percebe que você está lá. E se levanta de um salto, consternado, implorando:

– Sorry! Sorry!

É assim o tempo todo. É desculpa, é com licença, é good morning, chego a ficar constrangido com tanta consideração. Hey, my friend, não precisa pedir tanta desculpa, só estou aqui com meu carrinho, não tem estresse de aguardar um pouco, pode pegar tua lata de massa de tomate descansado!

Claro que não digo isso. Devolvo o sorriso, digo no problem e sigo em frente.

Outro detalhe: em nenhum momento fui tratado de forma diferente por ser estrangeiro. Ao contrário: eles são muito solidários e prestativos, tentam fazer com que você se sinta à vontade e se integre à comunidade.

Porém...

Ah, porém...

Nada de se intrometer na vida deles. Qualquer abordagem pessoal pode causar estranheza, quando não uma reação emburrada:

– Isso não é da sua conta.

Não quer dizer que ele vá romper com você, nada disso. Mas os limites estão bem claros.

Os americanos prezam muito a sua privacidade, a sua individualidade. Por isso, respeitam muito a privacidade e a individualidade dos outros.

Percebi isso em grau ainda mais acentuado no Japão. Uma vez, estava numa fila de entrada para algum lugar de Tóquio e vi que uma moça à minha frente deixou cair a echarpe que usava. O japonês atrás dela colheu a echarpe do chão. A moça, no entanto, continuava de costas para ele, e não havia reparado que a echarpe caíra. O japonês ficou com a mão estendida, aflito, esperando que ela se virasse. Não a chamou, não a cutucou, nem sequer avançou um passo para lhe chamar a atenção. Esperou, apenas. Depois de alguns segundos em que eu já me sentia angustiado, ela enfim se virou e ele lhe deu a echarpe.

Um japonês jamais toca em outra pessoa, nem para cumprimentar. Um japonês não fala alto, nem ao celular. Seria uma invasão do espaço alheio.

Lembrei de outro exemplo. Os ingleses. Em Londres, você está de pé, no metrô lotado. Um inglês está parado a um palmo do seu nariz. E ele consegue NÃO OLHAR para você. É como se você não existisse, mas ele provavelmente está sentindo o seu hálito de menta, de tão próximos que vocês estão. É uma técnica que eles têm. Porque até o olhar pode ser invasivo.

Esse respeito à individualidade é uma sofisticada demonstração de consciência democrática. Porque a democracia, em essência, é isso: é o respeito aos direitos do indivíduo. Se o indivíduo está dentro da lei, não há governo ou multidão maior do que ele. Essa é a forma de alcançar liberdade e igualdade. O indivíduo é o rei. E não há súditos, porque todos são livres. E não há corte, porque todos são iguais.



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