O PODER ESTÁ CADA VEZ MAIS FRACO E TRANSITÓRIO
Justiça

O PODER ESTÁ CADA VEZ MAIS FRACO E TRANSITÓRIO


REVISTA ISTO É N° Edição: 2299 | 06.Dez.13


Moisés Naím

O ex-diretor do Banco Mundial explica por que o mundo está mais incômodo para os poderosos e diz que o Mercosul é uma comunidade de países fracassados


por Mariana Brugger
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ALERTA
Para Naím, o continuísmo é um perigo para o Brasil e a América Latina


Autor de mais de dez livros sobre economia e política internacional, o escritor venezuelano Moisés Naím convive há muitos anos com o poder. Foi ministro do Desenvolvimento na Venezuela no fim dos anos 1980 e começo da década de 1990, diretor-executivo do Banco Mundial, editor por 14 anos da conceituada revista “Foreign Policy” e, hoje, é associado sênior no Programa de Economia Internacional do Carnegie Endowment for International Peace. Aos 61 anos, 20 dos quais morando em Washington, capital dos Estados Unidos, Naím é ph.D. em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Suas percepções sobre os muitos protagonistas que atuam em escala global atualmente estão presentes no recém-lançado “O Fim do Poder” (LeYa), no qual ele discute as transformações pelas quais o mundo vem passando desde o fim do século passado e explica por que hoje é tão difícil de manter o poder.

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"Os black blocs são uma distração para as reivindicações 
importantes. O ETA, na Espanha, e as FARC, na Colômbia, já
tentaram fazer reivindicações por meio da violência, e não deu certo”


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“A eleição de Tiririca mostra uma tendência mundial: 
as pessoas não querem mais os partidos tradicionais"
ISTOÉ -
Por que o sr. afirma que vivemos a época do fim do poder? 
MOISÉS NAÍM -
O poder como conhecíamos não existe mais, se degradou. E nem vai voltar a existir. No mundo atual, não existe mais a possibilidade de apenas um jogador definir as situações. Isso ocorre na geopolítica, na política doméstica, nas ditaduras, nas religiões, nas empresas... Existem cada vez mais competidores. A definição ainda é a mesma, mas a maneira como se exerce o poder não. Os poderosos atuais têm mais restrições, estão mais amarrados do que antigamente. 
ISTOÉ -
Como o sr. enxerga o Brasil em âmbito internacional? O País pode se tornar poderoso e influente? 
MOISÉS NAÍM -
O Brasil é um país muito importante, que tem tamanho e população grandiosos, que lhe dão peso internacional. Porém, ainda tem enormes problemas que o debilitam, como de infraestrutura, inflação e corrupção. Há a necessidade de muitas reformas. Na época do governo do (ex-presidente) Luiz Inácio Lula da Silva, tinha muita coisa a favor do Brasil, como o preço das commodities, o ambiente financeiro internacional favorável. Mas agora esse cenário está mudando. 
ISTOÉ -
A que o sr. atribui o sucesso do ex-presidente Lula? 
MOISÉS NAÍM -
O êxito de Lula aconteceu por conta de três fatores: seu talento e carisma, a economia favorável deixada pelo seu antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e um ambiente internacional muito positivo. Ele teve sucesso, mas também teve muita sorte. Na política, não é só o talento que conta, mas também a sorte. Ele trouxe bons resultados para o Brasil. O País teve um progresso importante durante a sua gestão. 
ISTOÉ -
Há bons exemplos a serem seguidos? 
MOISÉS NAÍM -
Sim. O Brasil precisa tomar um caminho diferente e pode seguir os exemplos de outros países da América Latina que estão sendo bem-sucedidos, manter-se longe da catástrofe que é a Argentina e procurar o êxito, assim como conseguiu o Chile. O perigo que o Brasil e a América Latina sofrem é o do continuísmo. 
ISTOÉ -
Qual seria o sistema ideal, na sua opinião? 
MOISÉS NAÍM -
Sou partidário de um sistema em que o presidente se eleja por seis anos e, depois, nem ele ou algum membro familiar poderá ser eleito nunca mais. As instituições não podem depender de um só indivíduo. Os países onde a democracia funciona em sua melhor forma têm instituições fortes, não ficam à mercê de apenas um líder carismático. 
ISTOÉ -
O que é preciso fazer para combater a corrupção? 
MOISÉS NAÍM -
É muito importante que os partidos políticos se renovem de todos os seus maus hábitos. Eles precisam ser superados para se tornarem atrativos àqueles que querem mudanças. Os partidos precisam ser formados sem a influência de empresas privadas e de pessoas que estão ali só para tirar proveito. Eles têm de ser um lugar para idealistas, não para pragmáticos. Para isso, é preciso fortalecer as instituições de modo que elas funcionem com total independência, livre de interesses. 
ISTOÉ -
O Brasil acaba de ver uma decisão inédita com a prisão dos envolvidos no mensalão. Isso é um começo? 
MOISÉS NAÍM -
Ainda é muito cedo para falar sobre isso, pois acabou de acontecer. Mas não são só essas prisões que vão fazer com que acabe a corrupção no País.  
ISTOÉ -
Acredita na modernização dos partidos que já existem? 
MOISÉS NAÍM -
Não creio nos partidos que já existem, não só no Brasil, mas no mundo todo. Muitos deles são incapazes de melhorar porque são resistentes à inovação. Com isso, vão aparecer competidores novos, partidos mais inovadores, com líderes que vão buscar atender às demandas de uma população que não está satisfeita. 
ISTOÉ -
O Brasil viveu uma série de manifestações recentemente, com variadas reivindicações, sem controle de partidos ou líder único. Seria essa a nova cara do poder? 
MOISÉS NAÍM -
Não. É muito importante que o povo se mobilize por meio dos partidos políticos, senão acontece como na Itália, que vive grande instabilidade política porque não se organiza. O que aconteceu no Brasil aconteceu em vários outros países. Vimos o movimento Occupy ganhar as ruas dos Estados Unidos e as pessoas protestando na Grécia e na Espanha. A diferença é que lá os protestos nas ruas eram de uma classe média que queria proteger seu estilo de vida, que estava sendo colocado em risco. Esse é um movimento mundial. 
ISTOÉ -
Como vê a participação dos black blocs nas passeatas? 
MOISÉS NAÍM -
No Brasil, os black blocs não são relevantes, são marginais, são uma distração para as reivindicações que importam. Pela violência, a democracia é muito limitada. O ETA (grupo extremista que luta pela independência do País Basco), na Espanha, e as FARC (grupo guerrilheiro que luta pela implantação do socialismo), na Colômbia, já tentaram fazer suas reivindicações sociais por meio da violência, e não deu certo. A democracia é a melhor maneira de lutar por direitos. 
ISTOÉ -
E no caso da Primavera Árabe, revolução marcada pela violência? 
MOISÉS NAÍM -
Nesse caso, estamos falando de gente enfrentando uma ditadura. Mas ainda é muito cedo para analisarmos o que aconteceu nesses países. 
ISTOÉ -
Com o fim do poder, as ditaduras também acabam? 
MOISÉS NAÍM -
Há cada vez menos ditaduras no mundo e as que ainda existem fazem de tudo para se disfarçar de democracia. 
ISTOÉ -
A Europa vive um momento importante também, com o crescimento de movimentos conservadores por causa da recessão. 
MOISÉS NAÍM -
Essa nova situação permite a aparição de simplificadores terríveis, da direita extremista, dos xenófobos, dos movimentos contra imigrantes. Este é um momento de atenção. 
ISTOÉ -
Qual é a importância da União Europeia neste universo de poder
degradado? 
MOISÉS NAÍM -
Não há dúvida de que o projeto de integração europeu é um experimento muito relevante para a humanidade. E é muito importante que ele tenha êxito, que a Europa tenha uma voz, pois ela representa valores importantes, especialmente na defesa dos direitos humanos. 
ISTOÉ -
O Mercosul pode se tornar importante? 
MOISÉS NAÍM -
Nunca. O Mercosul não vai ser como a União Europeia, porque é uma comunidade de países fracassados. O Brasil, que é o país que tem mais sucesso e força dentro da América Latina, se associou com países que tomam decisões muito equivocadas, como a Argentina e a Venezuela. Para formar um bloco importante, seria necessário que o país se unisse a sócios bem-sucedidos, como o México, a Colômbia, o Peru e o Chile. 
ISTOÉ -
O sr. cita o exemplo da eleição do palhaço Tiririca (PR-SP) para mostrar a insatisfação popular contra a política tradicional. O que acha desse tipo de voto de protesto? 
MOISÉS NAÍM -
Uso o exemplo de Tiririca para mostrar uma tendência mundial: as pessoas não querem mais os partidos tradicionais. A eleição de uma pessoa que fala em campanha que não sabe o que um deputado federal faz e se candidata para o cargo mostra essa insatisfação popular. 
ISTOÉ -
Acredita na força do ativismo? 
MOISÉS NAÍM -
Percebe-se que o poder das pessoas está cada vez maior. Sendo assim, elas se juntam para lutar pelas causas que acreditam, elas sentem que têm poder para mudar as coisas. As redes sociais são instrumentos que auxiliam nesse mundo de micropoderes, onde existem vários protagonistas e eles mudam o tempo todo. O mundo está muito mais incômodo para aqueles que buscam o poder. 
ISTOÉ -
Edward Snowden, responsável pelo vazamento de documentos secretos da inteligência americana, prova a fragilidade dos poderosos? 
MOISÉS NAÍM -
Duas coisas importantes aconteceram. Em primeiro lugar, a hipocrisia dos governos nas relações internacionais. Snowden lembrou o povo que os governos podiam fazer uma coisa em público e atuar de forma diferente no ambiente privado. Agora isso ficou muito mais difícil de ser feito. A segunda coisa que ele fez foi causar um grande dano ao sistema de inteligência dos Estados Unidos, que vai gastar uma fortuna para reparar o que ele fez. 
ISTOÉ -
Por que acha que o presidente americano, Barack Obama, deixou de ser o queridinho da América? 
MOISÉS NAÍM -
Porque essa é a tendência atual. Os chefes de Estado, atualmente, têm muitas limitações, e o povo quer atitudes. Quando fui ministro do Desenvolvimento na Venezuela, em 1989, as pessoas também achavam que eu tinha muito mais poder do que eu tinha. Pensava que isso era incompetência minha, mas, ao virar diretor-executivo do Banco Mundial e ter contato com poderosos do mundo todo, descobri que esse sentimento poderia ser generalizado. Eles também me diziam que muita gente pedia coisas que eles não tinham poder para fazer. As respostas às minhas perguntas sempre apontaram na mesma direção: o poder está cada vez mais fraco, transitório e restrito. 
ISTOÉ -
O sr. diz que essa degradação pode ser vista em todas as instituições. Como avalia a escolha do papa Francisco e seu pontificado até agora? 
MOISÉS NAÍM -
Ele é uma fonte de renovação que, talvez, seja capaz de conter a migração dos católicos para outras religiões. Essa migração é mais uma demonstração do fim do poder. Os números de outras religiões menores surgindo, inclusive no Brasil, com as igrejas pentecostais, são impressionantes.
ISTOÉ -
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, poderá governar por meio de decretos a partir de agora. Quais são os perigos dessa ação? 
MOISÉS NAÍM -
Isso foi um truque para distrair o povo e a comunidade internacional da catástrofe que é a Venezuela hoje em dia. A violência, a criminalidade, o alto número de assassinatos, nada disso vai ser solucionado dando mais poder para o presidente. Mais uma vez, vemos o problema do continuísmo em um país. 



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