Justiça
JUSTIÇA EM GREVE - Servidores reclamam do tratamento salarial privilegiado aos Magistrados.
Dois meses de greve na Justiça - 25 de junho de 2010 - Opinião Estado de S.Paulo
A greve dos servidores da Justiça estadual está completando dois meses, sem solução à vista. Os grevistas reivindicam reposição de 20,16% e alegam que estão sem aumento há dois anos. A categoria tem 45 mil integrantes, dos quais 10% na capital e 15% no interior teriam cruzado os braços, e é representada por sete entidades sindicais cujos líderes já recusaram todas as propostas apresentadas pelos desembargadores nomeados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para tentar negociar uma saída para o impasse.
A direção do Tribunal informa que já atendeu a várias pretensões dos grevistas, como a criação de um setor exclusivo na Secretaria da Saúde para serventuários judiciais e aumento do vale-transporte, e que também pressionou a Assembleia Legislativa para aprovar, em regime de urgência, um Plano de Cargos. E, alegando que não dispõe de recursos excedentes e que os gastos com pessoal já estariam no limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a última proposta da Corte foi um reajuste de 4,7%, retroativo a março.
Rejeitada essa proposta pelo comando de greve, o presidente do Tribunal, desembargador Antonio Carlos Vianna Santos, anunciou o desconto dos dias parados. Em represália, há duas semanas os grevistas ocuparam o Fórum João Mendes ? o maior do País, com 2,5 milhões de processos. E, nesta semana, realizaram uma passeata na região da Praça da Sé e pediram à Assembleia a abertura de uma CPI para investigar as despesas de custeio do Tribunal.
Os grevistas alegam que a direção da Justiça estadual dá tratamento privilegiado à magistratura, em detrimento dos servidores. "Não estamos tendo reposição de inflação, mas os juízes, a título de indenização, vêm recebendo praticamente dois salários por mês há mais de um ano. Tem juiz que, além do salário normal, recebeu R$ 23 mil a mais como indenização. Queremos o cumprimento do artigo 37 da Constituição, que prevê a revisão salarial, como qualquer dissídio coletivo", diz o presidente da Associação dos Servidores do TJ, José Gozze.
Quem perde com esse impasse é a população, que por meio dos impostos sustenta os serviços públicos e necessita da Justiça para defender direitos e resolver pendências. Com os serviços administrativos e o trabalho dos cartórios prejudicados em todos os fóruns do Estado, muitas audiências foram suspensas, afetando milhares de pessoas que são partes em processos que envolvem, por exemplo, pensão alimentícia, guarda de filhos, despejo por não-pagamento de aluguel, divórcios litigiosos, partilha de bens e questões relativas a contratos. A OAB estima que a greve vai retardar em pelo menos mais um ano a tramitação das ações na Justiça paulista, a mais congestionada do País.
Na realidade, ao contrário do que dizem os grevistas, o artigo 37 da Constituição não assegura reposição salarial anual automática para o funcionalismo. Em seu inciso X, o dispositivo menciona apenas a possibilidade de "revisão", condicionando-a à disponibilidade orçamentária e à discricionariedade dos gestores públicos. E, com salários iniciais entre R$ 1,6 mil e R$ 3,7 mil, conforme o cargo, que são acrescidos de outras vantagens, como gratificação de função, subsídios e quinquênios, os servidores técnico-administrativos da Justiça paulista, a exemplo do que ocorre nas Justiças Federal e do Trabalho, ganham muito mais do que a iniciativa privada paga para funções equivalentes.
Além disso, cada aumento concedido a uma categoria do funcionalismo serve de pretexto para que outras exijam as mesmas vantagens, em nome da isonomia. Esse "efeito cascata" corrói a racionalidade dos gastos estatais e prejudica o atendimento de serviços prioritários, como saúde e educação.
Os serventuários judiciais erram ao abusar dos direitos que lhes foram conferidos, como funcionários públicos, pela Constituição, transformando a população em refém de suas reivindicações salariais. Sob esse aspecto, fez bem a direção do TJSP ao cortar o salário de funcionários que estão privando o cidadão-contribuinte de um serviço essencial.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Não entendi bem este editorial do Estadão que considera um erro dos serventuários judiciais e "abuso dos direitos que lhes foram conferidos, como funcionários públicos, pela Constituição, transformando a população em refém de suas reivindicações salariais". Os aumentos salariais privilegiados, extravagantes e rotineiros dos magistrados não são considerados "abusos"? Que motivos impedem o Jornal criticar o consumo de 80% da folha do judiciário em salários, realçado pelos valores em cascata concedidos aos juízes? Não é preciso ser visionário para afirmar que a política salarial implementada pelo Poder Judiciário brasileiro, privilegiando os magistrados, está tornando inoperante a função precípua da aplicação da lei em face da forte demanda que vem revelando a incapacidade operativa e administrativa do Judiciário devido a insuficiência de juízes, falta de servidores e reduzidos investimentos.
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