JUSTIÇA COMO ALVO DO CRIME
Justiça

JUSTIÇA COMO ALVO DO CRIME




Juíza na mira do crime organizado. Uma magistrada responsável por mandar os principais assassinos e narcotraficantes gaúchos para a cadeia está na mira do crime organizado no Estado. CARLOS ETCHICHURY, ZERO HORA 08/04/2012

Juíza da 2ª Vara do Júri de Porto Alegre, Elaine Maria Canto da Fonseca e sua família estão juradas de morte e vivem acossadas: têm proteção nas 24 horas do dia, restringiram atividades sociais e se deslocam num dos três carros blindados fornecidos pelo Tribunal de Justiça. Uma das suspeitas é de que as ameaças partam de policiais militares, que vasculharam dados pessoais de Elaine no sistema de consultas integradas, um grande banco de dados da área da Segurança Pública que armazena informações pessoais de todos os gaúchos.

As ameaças à integridade de Elaine, na forma de ligações anônimas que apresentavam informações detalhadas sobre seus hábitos e os de seus familiares, se intensificaram a partir de fevereiro. Em março, os criminosos exigiam que todos os pedidos de relaxamento de prisão formalizados à 2ª Vara do Júri num período de 10 dias fossem deferidos pela magistrada. Com isso, buscavam a liberação de uma ou mais pessoas sem que os beneficiados fossem identificados – na medida em que outros suspeitos também seriam soltos naquele período. Caso não fossem deferidos os relaxamentos de prisão, um dos filhos da juíza seria morto.

– A magistrada se afastou da função naquele período e todos os pedidos foram analisados por outro juiz, sem pressão alguma. Como as ameaças foram muito incisivas, consultamos a Polícia Federal, que tem mais experiência nesta área, e propusemos o deslocamento dela para a área cível – diz o desembargador Túlio Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça, destacado pelo órgão para falar sobre o assunto.

A segurança também foi reforçada. Além de guarda-costas nas 24 horas do dia, três carros blindados estão à disposição da família: um para Elaine, outro para os filhos e um terceiro utilizado pela escolta armada. Afastada do Júri, Elaine foi convocada para a 18ª Câmara Cível do TJ.

Integrantes da Brigada Militar estariam entre os suspeitos de envolvimento nas ameaças. Sem motivo aparente, um PM teria ligado para o Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp) e pedido para que outro colega de farda levantasse os dados pessoais de Elaine (como nome do marido, dos filhos, endereços, telefones) junto ao sistema consultas integradas, de uso restrito de membros da área da segurança. O suposto uso irregular e o perfil das ameaças, cujos detalhes são mantidos em sigilo pelas autoridades, alertaram integrantes do núcleo de inteligência do TJ, composto por oficiais e sargentos da própria BM.

ZH apurou que pelo menos uma das ligações ameaçadoras teria partido do mesmo chip do celular que, dias antes, foi usado para pedir os dados de Elaine no Ciosp.

– Ninguém pode acessar dados do consultas integradas sem motivo. Os nossos seguranças, que são majores, capitães e sargentos da Brigada, suspeitam de brigadianos envolvidos nas ameaças – afirma Martins.

Comandante-geral da BM, o coronel Sérgio Abreu confirma que informações pessoais da magistrada foram checadas por um PM no Ciosp.

– Nós identificamos a pessoa que fez a consulta aos dados da juíza no Ciosp, mas não identificamos quem pediu os dados – falou Abreu.

Para o comandante, no entanto, ainda há poucos indícios que aproximem PMs das intimidações:

– O que sabemos é que a magistrada recebeu ameaças, mas pessoas recebem ameaças de todos os cantos, de presídios, de fora do Estado. Não posso afirmar peremptoriamente que tenha envolvimento de PMs.

Procurado por Zero Hora, o secretário da Segurança Pública, Airton Michels, limitou-se a informar, por meio de sua assessoria, que foi oferecido reforço à segurança de Elaine e de sua família, há duas semanas, mas o TJ considerou desnecessária a ajuda. Michels não quis falar sobre as ameaças.

Com larga experiência no Tribunal do Júri, Elaine era responsável por casos rumorosos.

– Há entre seis e oito processos envolvendo grandes traficantes sob os cuidados dela – diz Martins.

Um deles é a execução do médico Marco Antônio Becker, ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers). Entre os réus, está Juraci Oliveira da Silva, o Jura, chefe do tráfico no Campo da Tuca, acusado de contratar pistoleiros para matar Becker a mando de outro médico.

Ameaças e mortes no Brasil

Em uma década, três juízes foram assassinados pelo crime organizado no país. Nenhum deles no Rio Grande do Sul:

- O caso mais recente de magistrado executado ocorreu em Niterói, na Região Metropolitana do Rio, em agosto do ano passado. E foi uma juíza. Titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo (RJ), Patrícia Acioli (foto) foi morta por dois homens quando chegava em casa. Onze PMs, entre eles o ex-comandante do 7º Batalhão de Polícia Militar de São Conrado, são suspeitos.

- A juíza fluminense guardava muitos pontos em comum com a colega gaúcha Elaine Fonseca. Magistrada linha dura, Patrícia tinha sido responsável pela prisão de cerca de 60 policiais ligados a milícias e a grupos de extermínio desde o começo dos anos 2000.

- Assim como a colega gaúcha, Patrícia tinha filho. Como Elaine, também dispensava escolta e atuava de forma destemida. Como Elaine, analisou processos judiciais envolvendo quadrilheiros que costumam se relacionar com integrantes do aparato da segurança pública.

- Os perigos também foram semelhantes. Tanto os inimigos de Patrícia quanto os de Elaine ameaçaram sequestrar os filhos delas.

- Nos dois casos, policiais acessaram o banco de dados da Segurança Pública para rastrear informações das magistradas.

Pelo menos 10 magistrados tiveram escolta

Ação típica do crime organizado, a intimidação de magistrados tem se tornado cada vez mais frequente no Estado.

Nos últimos dois anos, pelo menos 10 juízes estaduais precisaram de escolta após serem ameaçados.

– Nenhuma ameaça foi tão intensa como a envolvendo a juíza Elaine, mas tem se tornado cada vez mais comum. Neste momento, além dela, há um outro magistrado sob escolta – diz o desembargador Túlio Martins, presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça.

Vice-presidente administrativo Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Eugênio Couto Terra alerta para a tentativa de “intimidação” por parte do crime organizado.

– Temos acompanhado de perto a situação. Mesmo ameaçados, os juízes não têm deixado de fazer a sua função.

Para OAB-RS, há ameaça ao Estado de direito

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB-RS), Claudio Lamachia, as ameaças à magistrada Elaine Maria Canto da Fonseca e seus familiares representam um atentado ao “Estado democrático de direito”.

– É gravíssimo. Merece uma ação afirme tanto da polícia quanto do próprio Judiciário, num segundo momento.

Na interpretação de Lamachia, o caso expõe, ainda, a suposta fragilidade do sistema consultas integradas. Pelo que foi apurado até agora, dados da magistrada teriam sido vasculhados por policiais militares.

– Há mais de dois anos, cobro mecanismos de maior controle do consultas integradas. Todos nós estamos sujeitos a que sejam vasculhadas nossas vidas, onde nossos filhos estudam, as placas dos nossos carros, nossos endereços. O sistema é uma vergonha – diz Lamachia.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Estamos todos solidários na proteção da justiça. Não é possível que continuamos a ter no Brasil um sistema tão fraco e vulnerável que a justiça sofra ameaças impunemente. Os magistrados estão sendo desmoralizados nas suas decisões, achacados, ameaçados e mortos sem que se produzam efeitos na lei e na postura das autoridades e da sociedade organizada. A charge do Nani ilustrando esta matéria dá a entender que as autoridades precisam reagir, precisam deixar a cegueira e má-vontade de lado e começar a agir impondo a ordem e a justiça neste país. Chega de impunidade, chega de cegueira, chega de tolerar atentados contra o Estado, chega de negligenciar o bem mais importante que é a vida.



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