Justiça
ÍNDIOS LUTAM POR DIREITO A CONSULTA PRÉVIA SOBRE OBRAS
JOÃO FELLET, ENVIADO ESPECIAL DA BBC BRASIL À FRONTEIRA BRASIL-PERU, FOLHA.COM, 25/04/2012 - 12h12Em discussão em vários países da América Latina, a regulamentação de uma convenção internacional que determina consulta a povos indígenas quanto a obras ou políticas que possam afetá-los é um dos principais pontos aglutinadores dos índios da região.
Aprovada em 1989 e ratificada ao longo dos 20 anos seguintes por boa parte dos países latino-americanos (o Brasil o fez em 2002), a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) é tida como um dos principais trunfos dos movimentos indígenas em suas disputas com os Estados nacionais.
No entanto, como até agora não foi regulamentada pela maioria dos países, seus efeitos ainda são considerados limitados. Isso porque a convenção não estabelece como a consulta deve se dar nem determina seus possíveis efeitos, como se os indígenas têm o poder de vetar um empreendimento em suas terras, por exemplo.
No Brasil, o governo criou em 27 de janeiro um grupo para apresentar uma proposta de regulamentação da convenção. A equipe, que conta com integrantes da Funai (Fundação Nacional do Índio) e de vários ministérios e órgãos governamentais, tem prazo de 180 dias para finalizar seu trabalho, mas pode prorrogá-lo por igual período, se julgar necessário.
Em seminário no início de março que debateu a regulamentação, o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que o direito à consulta prévia não pode inviabilizar grandes empreendimentos.
"Nós precisamos das estradas, das hidrelétricas. Não vamos sonhar com um país idílico e romantizado em que nada disso seria necessário", afirmou.
No entanto, ele disse que o governo "não pensa que o desenvolvimento deva vir a qualquer preço" e que é preciso aperfeiçoar o sistema de consulta a povos indígenas e tribais, em conformidade com a Convenção 169.
DIREITO DE VETOA maior polêmica sobre a convenção, suscitada por interpretações distintas do texto, gira em torno da seguinte questão: ela garante aos indígenas o direito de vetar obras ou políticas que os impactem?
O texto não menciona a possibilidade de veto, mas afirma que, "quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com pleno conhecimento de causa".
Para os movimentos indígenas, o poder de veto deve ser estendido a todos os casos em que se exigir consulta às comunidades.
Segundo Rodrigo de La Cruz, coordenador técnico da Coica (Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica), "está claro que o direito à consulta deve ser vinculante".
Também partidário dessa visão, o doutor em antropologia pela Universidade de Brasília Ricardo Verdum diz que, num cenário de completa divergência de posições entre o governo e uma comunidade indígena sobre uma obra, por exemplo, o impasse poderia ser solucionado por uma votação entre a população impactada. Se a maioria se opuser à construção, caberia então ao governo respeitar a decisão.
Hoje, de acordo com Verdum, o governo desrespeita a convenção e também um artigo da Constituição que determina que comunidades indígenas devem ser ouvidas em casos de aproveitamento de recursos hídricos, pesquisa e lavra de riquezas minerais em suas terras.
Conforme os procedimentos atuais, a consulta aos índios integra o processo de licenciamento ambiental das obras. Cabe à Funai ouvir as comunidades afetadas e posicionar-se sobre o empreendimento.
Para Verdum, porém, por ser um órgão do governo, a Funai está sujeita a pressões políticas e não representa os indígenas de forma adequada.
Ele afirma ainda que, segundo a Convenção 169, povos indígenas e tribais deverão ser consultados quanto a qualquer política que os impacte, como no caso de leis sobre saúde ou educação que tratem os indígenas de maneira diferenciada.
"Trata-se de assegurar o direito à autodeterminação desses povos. Não significa romper com o Estado brasileiro, mas respeitar as várias nações que há dentro do Brasil."
PROMOÇÃO DO DIÁLOGONo entanto, para representantes da OIT, a convenção não pressupõe o direito de veto.
"O espírito da convenção é promover o diálogo. E assegurar o direito de veto não é uma forma de promover o diálogo", diz Lélio Bentes Corrêa, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e perito da OIT em aplicação de convenções.
Segundo Corrêa, porém, ainda que não garanta o direito de veto, a convenção exige que governo e empregadores promovam a consulta de boa fé e de forma acessível para os índios.
"Não adianta fazer a consulta em termos técnicos se os representantes dos indígenas não têm formação técnica para discutir em pé de igualdade. A consulta deve ter o objetivo genuíno de atingir uma solução satisfatória para todas as partes envolvidas, ou seja, não pode ser uma mera formalidade."
O jurista afirma que alguns países latino-americanos já avançaram na implementação correta da convenção. Ele cita uma decisão de 2011 da Suprema Corte da Colômbia, que, valendo-se da convenção e atendendo à demanda de uma comunidade indígena, declarou a inaplicabilidade do atual código de mineração colombiano.
Ele também menciona avanços da legislação no Chile e no Peru e afirma que a própria regulamentação do direito de consulta deve ser objeto de consulta.
No caso brasileiro, segundo o antropólogo Ricardo Verdum, as organizações indígenas querem poder criar uma proposta de regulamentação alternativa à do governo, caso não se satisfaçam com o projeto apresentado.
Ele diz esperar que a regulamentação traga à tona a discussão sobre a criação de um Parlamento dos Povos Indígenas, órgão que discutiria políticas que impactassem vários povos indígenas.
"Uma coisa é o impacto de uma obra local, outra coisa são políticas que impactam vários povos indígenas. Deve ser criada alguma instância nacional onde os povos tenham condições de discutir, debater e apresentar ao Estado sua posição."
Verdum afirma ainda que, tão importante quanto aprimorar a legislação para atender aos direitos dos indígenas, é garantir que as leis sejam aplicadas corretamente.
Na Bolívia, segundo ele, embora tenha havido nos últimos anos vários avanços institucionais na defesa dos direitos dos índios, conflitos recentes quanto à construção de uma estrada que atravessaria território indígena mostram a dificuldade de tirar as novas leis do papel.
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