Justiça
GOVERNO EXAGEROU AO PUNIR OFICIAIS DA RESERVA
Para Carlos Fico, militares erraram, mas é preciso serenidade - CHICO OTAVIO. O GLOBO, 5/03/12 - 23h50
RIO - O historiador Carlos Fico, ex-integrante do projeto Memórias Reveladas e um dos mais ativos defensores da abertura dos arquivos da ditadura, disse que o governo exagerou na dose ao determinar punição de militares da reserva. Para ele, a crise é um mau começo para a Comissão da Verdade, pois assusta e afugenta os que pensavam em contribuir com informações e documentos. Para ele, o ministro da Defesa, Celso Amorim, deveria ter entregado o problema aos comandantes militares. Fico não quer participar da comissão. Ele teme que o resultado leve a uma “verdade histórica” única, a exemplo do que ocorreu com outros países que tiveram o mesmo processo, enquanto “um historiador deve trabalhar com o conceito de que não existe uma verdade absoluta”.
O Globo - A Comissão da Verdade conseguirá atingir o seu objetivo: a verdade?
CARLOS FICO: A expressão não pode ser entendida como estabelecimento da verdade oficial. O desafio da comissão é não cair em uma leitura unívoca. Comissões da Verdade em todo o mundo acabaram produzindo um relatório, associado a seus membros, que vira a narrativa oficial. Para os historiadores, o conceito de verdade não é absoluto.
O senhor, como historiador com extensa produção acadêmica sobre o regime, tem vontade de atuar na comissão?FICO: A presença de um historiador na Comissão da Verdade é um problema. A Associação Nacional dos Historiadores acha que devemos participar, mas eu discordo. Não compete ao historiador entrar. Isso por conta da definição teórica do que é verdade para o historiador. Os historiadores podem, no máximo, colaborar com informações. Além do mais, na História do tempo presente, não podemos nos esquecer da dimensão ético-moral. A atrocidade cometida no período é indiscutível. Isso introduz um viés: não se pode ter uma atitude objetiva que desconheça os assassinatos e a tortura. Não se pode humanizar o algoz.
E quanto às críticas que minimizam a dimensão da ditadura no Brasil, sustentando que ela foi mais branda do que a dos países vizinhos que passaram pelo mesmo processo?FICO: Muitos dizem que a ditadura brasileira não foi violenta. Eles não têm a menor ideia da quantidade de prejuízo que ela causou. São conhecidos os casos de mortes, desaparecimentos e tortura. Mas a ditadura militar atingiu a vida de muitas pessoas. Quando alguém estava para ser nomeado, por exemplo, o SNI mandava uma nota e dizia que aquele cidadão era isso e aquilo. Essa pessoa acabava rejeitada sem jamais conhecer as razões. Há casos em que os filhos de casais presos foram criados por outras pessoas por anos e anos. A questão é que, além da violência, houve uma interferência brutal da comunidade de informações no cotidiano das pessoas.
Qual seria o melhor começo para a comissão?FICO: Se a Comissão da Verdade for bem conduzida, ficaria os seis primeiros meses trabalhando com a documentação. Ela é capaz de revelar o que não se sabe: essa ampla e violenta interferência na vida cotidiana, que é desconhecida e importante. Há muitos documentos. O grosso desse material é constituído do fundo do SNI, do fundo da CGI e das divisões de Segurança e Informação. A comissão tem possibilidade de requerer documentos.
Existe risco de crise institucional?FICO: Existe, por um motivo: os militares erraram, mas o governo precisa ter serenidade. O manifesto interclubes foi uma espécie de provocação. Eles expressaram insatisfação num tom forte. O governo conseguiu uma vitória política: obrigar o Clube Militar a retirar o manifesto. Os militares da reserva têm direito a se manifestar. Mas a nota que saiu depois atinge a hierarquia e a disciplina. Diz que o Congresso pratica revanchismo explícito, é inconsequente. Isso, os militares da reserva não poderiam fazer. Contraria o estatuto militar. Mas, se o governo punir, um deles vai recorrer da decisão. Pode virar um imbróglio jurídico. O STM teria de se manifestar. O problema seria evitado se o governo, após a retirada do manifesto e a nota de ataque ao Congresso, pedisse aos comandantes militares que tomassem providências. Agora, ou pune e vira crise ou não pune, e desautoriza o ministro da Defesa (Celso Amorim). Transformar a questão em debate jurídico é receita certa para aumentar a crise.
Os clubes militares têm influência na tropa?FICO: Até o Golpe de 64, os clubes militares tinham uma atuação politizada. Depois, entraram num longo período de recesso. Mas, na segunda metade dos anos 1990, voltaram a entrar com tudo nas questões políticas. Até então, porém, nunca houve reação do governo. A reação é novidade. É preciso conduzir esse assunto com serenidade na relação com os militares.
O senhor espera que a Comissão da Verdade abra caminho para punição de torturadores?FICO: A Lei de 1979 também inclui a autoanistia. A ministra Rosário tem razão. Pode ser que o resultado do levantamento da comissão provoque uma mobilização capaz de levar o Congresso a rever a anistia. É uma hipótese bastante remota. Historicamente a sociedade tem preferido a conciliação. Não creio que haja uma mobilização capaz de levar o congresso a mudar a Lei da Anistia. Mas o debate em si já desencoraja os que pensavam em contribuir. Falar em punição agora não é a melhor estratégia para trazer o maior número de depoimentos à comissão. A crise não é boa para o trabalho. Há uma insatisfação grande entre os militares da reserva. Tem gente que atuou na repressão secundariamente, como datilógrafos, que poderia ser ouvida. Esses também foram perdoados.
loading...
-
Militares Reagem À DeclaraÇÃo De Que InvestigaÇÃo NÃo Tem 2 Lados
Após entrevista de diplomata ao ‘Estadão’, generais da reserva dizem que integrantes da comissão não são parciais. Tânia Monteiro - O Estado de S.Paulo - 15/05/2012O foco de trabalho da Comissão da Verdade e as declarações dadas nesta terça-feira,...
-
CapitÃes Da Reserva Criticam Superiores Que Se Manifestaram Contra Ministras
Manifesto de militares critica colegas que atacaram ministras. Entre os signatários do documento, que presta solidariedade às vítimas de tortura na ditadura, está um herói da Segunda Guerra Mundial. Marcelo Godoy - O Estado de S.Paulo, 18/03/2012...
-
General Da Reserva: "comissÃo Do Revanchismo E Inverdade"
Brasil terá 'Comissão do Revanchismo e Inverdade', afirma general da reserva. Marco Felício liderou manifesto com críticas a membros do governo que contestam a Lei de Anistia. 14 de março de 2012 | 19h 03. Tânia Monteiro, de O Estado de...
-
Amorim Rebate Militares
Amorim rebate militares e diz que 'respeito à lei' é parte da democracia. GABRIELA GUERREIRO, DE BRASÍLIA - FOLHA.COM, 06/03/2012 Em resposta ao manifesto de militares que questionaram a sua autoridade e a da presidente Dilma Rousseff, o ministro...
-
Carta Dos Clubes - Governo Ordena PuniÇÃo Dos Militares
Após carta, governo ordena que Forças punam militares. LUCAS FERRAZ, DE BRASÍLIA - folha.com, 01/03/2012 O governo determinou aos comandantes das Forças Armadas que os militares da reserva que assinaram nota com ataques à presidente Dilma Rousseff...
Justiça