Justiça
DESCONTROLE - CONDENADO POR SEQUESTRO CURTIA A VIDA COMO CONCURSADO
A clandestina vida de um condenado. Ex-policial expulso da PF por assalto no Rio de Janeiro trabalhava como concursado em um hospital de Erechim - HUMBERTO TREZZI E MARIELISE FERREIRA, ZERO HORA 17/07/2011
Espantados e emocionados, muitos servidores do Hospital Municipal Santa Terezinha, em Erechim, se aglomeraram na última segunda-feira para assistir à prisão do colega Edisson da Silva Castro, 53 anos. Logo ele, parceiro de churrascadas, zeloso técnico do trabalho que coordenava junto aos funcionários sessões de exercícios preventivos contra doenças ocupacionais... Abatido, ele saiu conduzido pelo braço por quatro policiais federais vindos de Passo Fundo para buscá-lo. Calados, os agentes o prenderam em pleno serviço, mandado judicial na mão. Calados, foram embora. E deixaram para trás um mistério. O que Edisson teria feito?
Zero Hora foi atrás dos motivos dessa captura e, após dias de investigação, descobriu que Edisson tinha duas vidas. Uma, como funcionário concursado do hospital (responsável por 90% das internações pelo SUS na cidade de Erechim), onde trabalhava desde 1997 como técnico de enfermagem e em segurança do trabalho. A outra existência, no passado, a 1.341 quilômetros de Erechim, como policial federal – fato até então desconhecido dos colegas erechinenses e de informação restrita a uns poucos familiares.
Mais sigilosa ainda era a informação de que o discreto e calmo Edisson era um condenado pela Justiça Federal. Na primeira vez, em sentença da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro dada em setembro de 1996, ele recebeu pena de 17 anos de reclusão em regime fechado, por assalto, furto e extorsão. Na segunda ocasião, em dezembro de 1998, quando o Tribunal Regional Federal do Rio (TRF) reformou a sentença inicial, reduzindo a pena para nove anos e 11 meses de reclusão.
Edisson não está condenado por um crime qualquer. Um grupo de policiais, do qual ele fazia parte, entrou sem mandado judicial numa empresa beneficiadora de ouro e sequestrou um dos donos. Só liberaram ele após a família conseguir dinheiro em espécie e também ouro. Edisson sempre alegou inocência, mas foi condenado.
Salvo pela falta de integração
Mas como Edisson conseguiu passar em concurso? Afinal, são exigidos bons antecedentes de um candidato a funcionário público. Como que sua condenação passou despercebida no Rio Grande do Sul? Por um motivo simples: os bancos de dados das polícias brasileiras não são interligados.
Em primeiro lugar, Edisson foi indiciado e condenado em âmbito federal – e essa informação não é colocada nos arquivos das polícias Civil e Militar dos Estados. O resultado é que, quando se abre a ficha de Edisson no banco de dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) gaúcha, nada de desabonatório consta contra ele. Podia circular sem impedimentos. Mesmo que ele tivesse sido condenado pela Justiça Estadual do Rio, esse dado não apareceria no banco de dados dos policiais estaduais gaúchos, que não inclui dados de outros Estados. O passado de Edisson só apareceria se algum policial especialmente diligente usasse o banco de dados federais (o Infoseg), mas isso não é a rotina.
Por tudo isso, Edisson era – e continua sendo – muito benquisto em Erechim. Popular entre os colegas, ingressou em nome deles com uma ação trabalhista, exigindo equiparação dos técnicos de segurança do trabalho do hospital com os da prefeitura. Os vizinhos preferem lembrar dele assando carne aos domingos. Sem camisa, lavando o carro da mulher, um Agile. Escovando as paredes da bonita casa de alvenaria com quatro quartos e 250 metros quadrados de área, enquanto assistia aos dois filhos gêmeos, de 12 anos, jogarem bola. Curtindo a vida. É essa a imagem que guardam, essa a que escolheram preservar.
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