Justiça
DESCASO DAS LEIS QUE NÃO FUNCIONAM
ENTREVISTA - “Vi que ele veio para nos matar” - Ivanise Menezes namorada da vítima e ex-mulher do assassino - JOSÉ LUÍS COSTA, ZERO HORA 25/05/2011
Amparada pela família, sobre uma cadeira de rodas, com ferimentos na mão e no pé, Ivanise Menezes Chaves Barcellos, 47 anos, se despediu do namorado, José Augusto Bezerra de Medeiros Neto, ontem pela manhã no Cemitério Ecumênico João XXIII, em Porto Alegre. Após o sepultamento, na casa de familiares, ela aceitou conversar com Zero Hora por telefone. Ivanise relatou, durante 30 minutos permeados por choro compulsivo, o drama pessoal que teve o desfecho trágico ao amanhecer de segunda, em Torres. A seguir, trechos da entrevista.
Zero Hora – O que aconteceu?
Ivanise Menezes Chaves Barcellos –
É um caso muito sério de descaso, das leis que não funcionam. O Carlos era uma pessoa que já tinha demonstrado insanidade, que chegava em casa 5h, 6h da manhã, três, quatro vezes por semana, drogado. Depois de eu ter esgotado todas as possibilidades, pedindo que se tratasse, entrei com um pedido para o juiz, que deferiu uma ordem para que o Carlos se afastasse do lar.
ZH – A senhora já estava separada dele?
Ivanise – Sim. Nós já estávamos separados de corpos desde outubro de 2009. Ele dormia no quarto do meu filho e o meu filho dormia comigo. Só não mandei ele embora porque ele não tinha casa própria. O apartamento era presente do meu pai. Depois de ele ter sido expulso pelo juiz, eu avisei: não aguento mais, chegou no limite. Quero reconstruir minha vida, não existe mais amor. Falei para ele: quando tu receberes a herança, compra um apartamento e vai embora.
ZH – Ele recebeu a herança?
Ivanise – Recebeu. Só que não queria ir embora de jeito nenhum. O valor que cabia a ele era R$ 1,2 milhão. Como tinha dívidas, restaram R$ 550 mil.
ZH – Ele comprou um imóvel?
Ivanise – Não. E, quando pedi para o oficial de Justiça para ele sair de casa, ele ficou obcecado. Ele se hospedava em hotéis no Moinhos de Vento controlando o movimento no meu apartamento, na Marquês do Pombal, as luzes que se acendiam e que se apagavam. Em fevereiro de 2010, ele fez uma denúncia anônima dizendo que o meu apartamento era ponto de tráfico. Foi todo o Denarc (Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico) para lá. Não encontraram nada. Mas ficou o trauma.
ZH – Depois ocorreu a invasão do apartamento?
Ivanise – Sim. Eu já tinha outro relacionamento, e o meu namorado disse: “Vamos para a Serra, pois ele vai aprontar outra”. Era feriado de Tiradentes. Minha filha ligou desesperada, pois viu o carro dele na vaga do apartamento. Ele tinha entrado e deu três tiros de raspão nele mesmo. A terceira bala bateu na costela e foi para o pulmão. Aí ele ficou sangrando, foi para o Hospital Mãe de Deus. E de lá, me ameaçava. Ligava para minha família, dizendo que meus problemas recém tinham começado.
ZH – Ele foi responsabilizado pela invasão?
Ivanise – Parece que teve de pagar cestas básicas. Eu não permitiria que pernoitasse com meu filho uma pessoa que era usuária de drogas. Ocorreu uma audiência em 11 de janeiro deste ano, e ficou decidido que ele poderia visitar o filho de 15 em 15 dias, durante seis horas, em um sábado ou domingo, acompanhado de uma pessoa que eu determinasse.
ZH – Ele visitou o filho?
Ivanise – Não, em nenhum momento. E porque ele não quis.
ZH – A senhora morava em Nova Petrópolis?
Ivanise – Sim, mas depois nos mudamos para Torres, mais perto do avô, dos amigos. Aí um dia ele estava no ginásio de Torres, jogando futebol, e viu pela janela a cara do pai e se assustou. Meu filho nos ligou assustado, e o meu namorado foi buscá-lo. Ele ligou para o pai. E o pai disse que estava no Rio, embarcando para os Estados Unidos.
ZH – Quando expirou a medida protetiva contra ele?
Ivanise – Em janeiro. Pedi uma nova medida protetiva para o delegado, mas pela lei, ele não tinha como dar, pois ele (Caio) não tinha feito ameaças. Eu só tinha indício que ele andava lá porque meu carro apareceu todo riscado. Então foi arquivado o meu pedido. Mas eu quis deixar claro que ele andava escondido em Torres e que poderia fazer alguma maldade.
ZH – O que houve na segunda?
Ivanise – Acordei às 6h15min, fui acordar meu filho. O meu namorado, que era meu marido, a gente ia se casar, levava meu filho e buscava na escola, a gente fazia almoço. Aí desci com meu cachorro, um lhasinha, e abri a porta para ele ir para a grama. Então vi o Carlos. Vi que ele veio para nos matar. Nisso, tentei fechar a porta de vidro, e gritei. Aí ele quebrou o vidro, me apunhalou o dedo, empurrou a porta e me jogou no chão. O meu namorado veio descendo a escada, e o Caio tinha uma faca escondida atrás da mão. Golpeou meu namorado de baixo para cima e continuou desferindo golpes. Peguei um abajur de madeira e dei com toda a força na cabeça do Caio, duas vezes. Aí, levantou meio grogue e puxou uma arma e acho que tentou engatilhar.
ZH – Uma pistola...
Ivanise – Era uma pistola, e a pistola travou. Meu filho ligava para o 190. Eu gritava, meu marido sendo esfaqueado. Meu filho pedia “Pai, pelo amor de Deus, não faz isso”. Aí, apontou a arma para mim. Fiquei em estado de choque, mas a arma não disparou. A gente subiu correndo para o quarto, e acho que ele não conseguiu. Aí, ele escondeu a faca e a arma no quarto da empregada, e nisso foi chegando a BM, e ele dizendo, “Eu sou do bem, eu sou do bem, não fiz nada” e foi algemado. O meu amor saiu de maca, agonizando. As últimas palavras dele foram que amava muito o meu filho e a mim.
ZH – A senhora tem uma filha de um casamento anterior com o personal trainer Gustavo Burchardt, que foi assassinado em uma perseguição por PMs, em 2003?
Ivanise – Sim.
ZH – É uma segunda perda trágica.
Ivanise – A minha vida tem essas tragédias. A minha filha (filha de Gustavo), que está em Paris, tinha adoração pelo Zeca.
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