Justiça
DEMANDAS JUDICIAIS - LITIGANTES OU CIDADÃOS?
Litigantes ou cidadãos?, por Bruno Miragem - Zero Hora, 01/07/2010
Reportagem de Zero Hora da última sexta-feira dá conta de pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça indicando o Rio Grande do Sul como o Estado com o maior número de demandas judiciais per capita, o que exige mais dos magistrados gaúchos em relação a seus pares de outros Estados do Brasil. Os números, de fato, impressionam. Dentre as explicações colhidas para explicar o fenômeno, relacionaram-se desde aspectos antropológicos, indicando uma maior litigiosidade dos gaúchos dada sua proximidade com a fronteira, até a atuação de advogados de poucos escrúpulos, a promover a ilusão de ganho fácil como forma de atrair a clientela. São razões que podem, sem dúvida, auxiliar a compreensão do problema, mas nem de longe servem para explicar de modo suficiente sua complexidade.
Um primeiro aspecto a ser destacado é o ingresso de numerosas ações idênticas contra os mesmos réus, transferindo ao Poder Judiciário questões que a princípio deveriam ser resolvidas mediante o mero cumprimento da lei. Isso, antes de identificar como deformidade do sistema, pode revelar uma conduta reiterada de quem muitas vezes assente em ser réu. Não poucas vezes, a lentidão do processo e a falta de instrumentos que permitam ao Poder Judiciário punir adequadamente aqueles que pretendem apenas ganhar tempo, mesmo à custa do desrespeito ao direito alheio, revela-se uma opção lucrativa. Neste caso, a razão do incrível número de ações judiciais não é meramente cultural ou ligada ao excesso de ativismo dos advogados, mas fruto da ineficiência do nosso sistema processual, em que pesem as contínuas alterações legislativas.
Registre-se, ainda, que o crescimento no número de ações judiciais revela o reconhecimento de novos interesses a serem protegidos. Seja do cidadão em relação ao Estado, seja dos vulneráveis da sociedade, que de modo crescente são contemplados com direitos e garantias por intermédio do incremento da legislação, a partir das diretrizes estabelecidas pela Constituição de 1988. A fórmula, neste caso, assim se apresenta: o reconhecimento de novos direitos e a conscientização dos seus destinatários dão causa à busca do Poder Judiciário para torná-los efetivos.
Percebe-se daí que a realidade da Justiça gaúcha deve também ser vislumbrada como um reflexo do exercício da cidadania ativa, mediante realização do direito fundamental de acesso à Justiça assegurado a todos. Mesmo dependendo de contínuo melhoramento das condições materiais, assim como do aperfeiçoamento legislativo para tornar a escolha de violar o direito alheio uma opção desvantajosa.
*Bruno Miragem é Advogado e professor universitário
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É justamente na percepção da realidade brasileira que o Poder Judiciário erra na aplicação da lei neste país. O autor deste artigo faz um justo e oportuno alerta para isto ao escrever a seguinte frase:"Percebe-se daí que a realidade da Justiça gaúcha deve também ser vislumbrada como um reflexo do exercício da cidadania ativa, mediante realização do direito fundamental de acesso à Justiça assegurado a todos."
O Poder Judiciário brasileiro só tem olhado para seu próprio umbigo e não vem enxergando o cenário de desordem e desconfiança do cidadão para com as leis, com a justiça e com os poderes constituintes. As evidências da desmoralização da justiça, do desrespeito à autoridade, da desobediência legal, do crescimento da violência e da criminalidade, e das desordens e sucateamento dos aparelhos prisionais e policiais retratam a falta de coatividade do Judiciário na aplicação das leis.
A demanda por justiça no Brasil cresce incessantemente - uns pedindo justiça e outros para inibir a justiça - fruto da democracia que vigora no país. Porém, para não se transformar em anarquia, o país precisa se modernizar e exigir um Judiciário mais próximo da sociedade, dos delitos e dos instrumentos de coação, justiça e cidadania. A justiça precisa ser ágil, diligente e coativa para se fazer respeitar, fortalecer a autoridade do Estado e penalizar de forma exemplar aqueles que não cumprem a lei e desafiam a justiça.
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