Justiça
CRESCE NÚMERO DE CENSURA IMPOSTA PELO JUDICIARIO
Relatório. Cresce número de jornalistas assassinados e de censura imposta pelo Judiciário, diz ANJ - O GLOBO, 23/08/2011 às 20h19m; Demétrio Weber
BRASÍLIA - Em relatório sobre a liberdade de expressão, cobrindo o período que vai de agosto de 2010 a julho de 2011, apresentado nesta terça-feira durante assembleia da Associação Nacional de Jornais (ANJ), registrou 34 eventos que representam alguma restrição à liberdade de expressão. O relatório da ANJ destaca o aumento do número de assassinatos de jornalistas: foram cinco no período, enquanto nos dois anos anteriores foi registrado apenas um caso. No documento, a associação também diz que "é preocupante a quantidade de eventos gerados a partir de iniciativas do Poder Judiciário: dos 34 casos ocorridos, nove corresponderam a censura imposta por decisões judiciais, sendo três medidas restritivas determinadas por juízes da Justiça Eleitoral".
No total, foram registrados cinco assassinatos, uma prisão, sete agressões, dois atentados, três casos de abusos cometidos por autoridades, 12 casos de censura, uma ameaça de morte e duas decisões judiciais, além de uma manifestação, em setembro do ano passado, do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em comício em Campinas (SP), o ex-presidente disse que "vamos derrotar alguns jornais e revistas que se comportam como partido político".
No relatório, também está registrada a preocupação em ver aprovada uma lei garantindo o direito de qualquer cidadão a ter acesso a informações produzidas por qualquer um dos três poderes, em todas as esferas da administração pública. Tal lei ainda não foi aprovada no Congresso por resistência dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL), que também já foram presidentes da República.
Conferência realizada na Câmara destaca importância da liberdade de expressão
Mais cedo, durante a conferência durante a 6.ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Expressão, na Câmara dos Deputados, acadêmicos, parlamentares, representantes do governo e jornalistas defenderam a liberdade de imprensa. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Eugênio Bucci disse que existe no Brasil uma "mentalidade autoritária" que está por trás de iniciativas que tolhem a liberdade de expressão, entre elas, a chamada censura judicial, criticada por diversos participantes da conferência.
- Na nossa cultura política, a brutalidade do Estado se manifesta na falta de cerimônia com que as autoridades atacam a imprensa. Essa mentalidade, além do monopólio da força, pretende ter o monopólio da opinião - disse Bucci. - Faz parte do DNA da nossa cultura política.
O evento foi promovido pelo Instituto Palavra Aberta, que reúne entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). Um dos temas abordados foi a internet.
A secretária-executiva da Secretaria de Comunicação de Governo, Yole Mendonça, disse que a liberdade de imprensa é fundamental:
- É um tema muito caro ao governo federal, que o entende como um dos pilares da democracia plena.
O jornalista Fernando Rodrigues, que é colunista do jornal "Folha de S.Paulo" e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), disse que, no Brasil, a liberdade de expressão não é encarada como princípio basilar da democracia. Ele citou a inexistência de uma lei ampla de acesso a informações públicas - um projeto está em discussão no Senado - e a não divulgação detalhada, pelos diferentes níveis de governo, dos valores que gastam com publicidade. Para ele, "trata-se de uma anomalia de países subdesenvolvidos".
Rodrigues criticou também a falta de transparência sobre os salários de servidores públicos. Ele fez referência aos supersalários, que são alvo de ação na Justiça e foram investigados pelo Tribunal de Contas da União. Segundo Rodrigues, nos Estados Unidos é diferente: na página da Casa Branca na internet há uma lista com o nome dos servidores e o quanto recebem do governo.
O diretor de Conteúdo do jornal "O Estado de S. Paulo", Ricardo Gandour, criticou a censura judicial, fazendo referência à proibição, que já dura dois anos, de que o Estadão publique notícias sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigou o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Gandour afirmou que há quem não veja problema em haver no país "um pouquinho" de censura, como forma de proteger setores da sociedade. Para ele, porém, o raciocínio é "perigosíssimo", pois poderia levar à tolerância com "um pouquinho de mentira ou de tortura".
- Não tem dose: o único porto seguro é a plenitude - afirmou Gandour, ao falar sobre a liberdade de imprensa.
Os participantes falaram sobre a censura à exibição do filme "Je vous salue, Marie", que foi censurado em 1985, no governo do então presidente Sarney. A advogada Taís Gasparian, que presta serviços para o jornal "Folha de S.Paulo", observou que tanto a censura judicial ao jornal "O Estado de S. Paulo", por conta da Operação Boi Barrica, quanto a proibição de exibição do filme tiveram origem na mesma família Sarney. Ele fez uma crítica ao Judiciário por ainda não ter derrubado a restrição ao jornal:
- O poder que há por trás para esse caso não ter sido derrubado - disse Taís, sugerindo que o jornal acionasse tribunais internacionais.
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