Justiça
CONSELHOS E "CONSERTAÇÕES"
Dagoberto Lima Godoy, Representante dos empregadores brasileiros junto à Organização Internacional do Trabalho - Zero Hora, 13/02/2011Pelo que se depreende de suas seguidas viagens à Europa e do uso de expressões como “concertação”, de lá importadas, o governador foi buscar no Velho Continente e, mais precisamente, na Espanha a inspiração para o recém-criado CDES (já apelidado de “Conselhão gaúcho”). Sendo a Espanha, desde 1978, uma social-democracia respeitável e tendo tido o Conselho Econômico Social espanhol (Cese) um apreciável êxito, poder-se-ia pensar que ambos os colegiados em tudo se assemelham e, portanto, esperar que o Conselho daqui alcance sucesso análogo. Ocorre que a premissa não é totalmente correta, pelo que é recomendável ter cautela com a expectativa otimista.
Foi o presidente do Cese, meu ilustre amigo Marcos Peña, que destacou as características que vêm a ser diferenças essenciais entre os dois colegiados: o Conselho espanhol foi previsto na Constituição (art. 131.2) e criado por lei específica (Ley 21.991), como “plataforma institucional permanente de diálogo y deliberación”, com “amplias facultades de autonomía y organización que garantizan su independencia”; e é composto, quase totalmente (dos 61 membros, só seis são da escolha do governo), por representantes indicados por organizações da sociedade civil, em princípio autônomas e independentes (de trabalhadores e empresários, agricultores, consumidores e usuários, cooperativas etc.). Em contraste, no caso gaúcho, o “Conselhão” foi criado como parte da estrutura administrativa do atual governo; e é formado por pessoas da escolha do governador, ficando a seu critério “quem representa quem”.
Pois, coincidentemente, é do Dr. Tarso a afirmação de que “o nosso país não tem tradição de diálogo e debate político ‘entre classes’, mas operou seus processos sociais [...] a partir principalmente da cooptação”. Ora, é difícil deixar de perceber a oportunidade de cooptação que existe em um órgão tão prestigioso, quando constituído ao exclusivo arbítrio do governador. Não menos difícil é afastar uma razoável preocupação, quando ao tal órgão caberá uma “concertação” política, a qual – ainda segundo o Dr. Tarso – visaria “identificar os temas estruturantes de um novo contrato social e [...] buscar posições [...] hegemônicas na sociedade [...] para transitarmos [...] para uma sociedade [...] radicalmente democrática” (do seu site – 28/9/2003). Será que tem algo a ver com a declaração do historiador britânico marxista Eric Hobsbawn, de que a América Latina é “o único lugar no mundo em que as pessoas fazem política e falam dela na velha linguagem – a dos séculos 19 e 20 – de socialismo, comunismo e marxismo”? (do site do PT – 25/1/2011).
Na verdade, o governador está clonando aqui o CDES nacional, criado pelo ex-presidente Lula por inspiração do próprio Dr. Tarso, que resultou numa experiência também polêmica. Porque – com o respeito devido aos integrantes tanto do original quanto do clone – o primeiro mereceu críticas duras, como “o que se viu na realidade é que o chamado ‘Conselhão’ não serviu para coisa alguma e perdeu importância” (Dora Kramer, OESP – 14/1/2011) ou como “o ‘Conselhão’ do Lula, que servia apenas para enaltecer o presidente e o governo [...] nunca exerceu função relevante, não gerou nenhuma ideia aproveitável, não inspirou qualquer medida” (Mailson da Nóbrega, em seu blog – 13/1/2011).
Não sei, não, mas o CDES do Dr. Tarso bem poderia ter sido pensado como (usando o jargão correspondente) um instrumento de articulação (para não dizer cooptação), com vistas a criar uma corrente hegemônica que imponha a substituição dos padrões “tradicionais” da democracia representativa por um modelo de “democracia radical” (adivinhe sob a tutela de quem). Se vai se prestar para isso – ou não –, o tempo dirá.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Concordo plenamente com o autor do artigo, o qual fundamenta sua preocupação com a qualidade e eficácia da Conselhão gaúcho, através do exemplo dado - o Conselho espanhol previsto na Constituição, criado por lei específica e operando como “plataforma institucional permanente de diálogo y deliberación”, com “amplias facultades de autonomía y organización que garantizan su independencia”. O autor cita ainda que o Conselho espanhol "é composto, quase totalmente (dos 61 membros, só seis são da escolha do governo), por representantes indicados por organizações da sociedade civil, em princípio autônomas e independentes (de trabalhadores e empresários, agricultores, consumidores e usuários, cooperativas etc.)."
A constituição de Conselho formado só por pessoas indicadas pelo Governador compromete os objetivos, a independência e a confiança nos seus debates, resoluções e propostas. Ficará com a imagem de ser um conselho político partidário, servindo para dar aval às determinações já previstas e desejadas pelo Governo.
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