CIPOAL LEGISLATIVO E INSEGURANÇA JURÍDICA
Justiça

CIPOAL LEGISLATIVO E INSEGURANÇA JURÍDICA



OPINIÃO O Estado de S.Paulo - 28/02/2012

As várias mudanças parciais de códigos anacrônicos que o Congresso tem aprovado, por meio de leis especiais, adensam o cipoal legislativo reinante no País, disseminam a incerteza jurídica na sociedade, sobrecarregam o Supremo Tribunal Federal (STF) e obrigam o Senado a editar resoluções para adaptar as decisões da Corte ao ordenamento jurídico.

Há duas semanas, o Senado editou uma resolução para suprimir da Lei 11.343 - que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad)- uma expressão que o STF considerou inconstitucional. Essa lei foi aprovada em 2006 para atualizar a parte relativa ao tráfico de drogas do Código Penal, em vigor desde 1940, quando eram outras as condições sociais, econômicas e culturais do País. Entre outras inovações, a Lei 11.343 tipifica de forma mais precisa os crimes associados ao tráfico de drogas e aumenta as penas para os narcotraficantes.

Mas, a Lei 11.343 está redigida em termos vagos e imprecisos, que dão margem às mais variadas interpretações. O inciso IV do artigo 4.º, por exemplo, recomenda "a promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o estabelecimento das estratégias do Sisnad". O inciso VI recomenda à administração pública "o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso indevido de drogas". E o inciso X define como princípio do Sisnad "a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido, atenção a reinserção social de usuários e de repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social".

Em outro artigo, a Lei 11.343 trata das penas aplicáveis a quem for condenado por crime de tráfico. O artigo 44 do Código Penal prevê a conversão da pena de prisão em penas alternativas, quando a condenação não for superior a 4 anos e o crime não tenha sido cometido com violência. Contudo, a aplicação dessa regra a narcotraficantes foi vedada pelo artigo 33 da Lei 11.343. Em setembro de 2010, ao julgar um pedido de habeas corpus impetrado por um traficante condenado a 1 ano e 8 meses de reclusão, que havia sido preso em flagrante com 13,4 gramas de cocaína, o Supremo considerou a proibição inconstitucional.

O julgamento durou sete meses e a Corte entendeu que o Congresso, ao votar a Lei 11.343, tirou dos juízes criminais o poder de individualizar as punições, o que lhes permitia optar pela pena de prisão ou por penas alternativas, conforme as peculiaridades de cada caso. "O princípio da individualização da pena significa o reconhecimento de que cada ser humano é um microcosmo. Ninguém mais do que o juiz da causa pode saber a melhor pena para castigar e ressocializar o apenado", disse o relator Ayres Britto. "Vislumbro um abuso do poder de legislar por parte do Congresso, que culmina por substituir-se ao magistrado no desempenho da atividade jurisdicional", afirmou o decano do STF, ministro José Celso de Mello Filho.

Foi por causa dessa decisão que no dia 15 de fevereiro o Senado editou a Resolução n.º 5, adequando o texto da Lei 11.343 à decisão tomada pelo STF em 2010. A resolução tem dois efeitos práticos e polêmicos. A partir de agora, traficantes de pequeno porte poderão ter a pena de prisão substituída por prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços a comunidades ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. Além disso, a resolução colocará em liberdade inúmeros condenados por tráfico - um dos crimes responsáveis pela superlotação do sistema prisional,

Advogados criminalistas elogiam a medida. Já os juízes criminais a criticam, alegando que não faz sentido mandar narcotraficantes prestar serviços em escolas, creches e hospitais.

E os juristas lembram que tanto a decisão do STF quanto a resolução do Senado colidem com outros dispositivos da legislação, que consideram o tráfico um crime hediondo e inafiançável, motivo pelo qual não pode comportar penas alternativas. Esse quadro é mais uma amostra do caos jurídico reinante no País.



loading...

- Supremo ImpÔe Limites Ao Poder Do Legislador
Lei de Drogas Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília. Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2012 Duas decisões tomadas em um espaço de um ano e meio sobre a mesma lei revelaram que o Supremo Tribunal Federal não...

- Trafico De Drogas: Stf Decide Que Suspeito Pode Responder Em Liberdade
Lei de Drogas.STF decide que suspeito de tráfico de drogas pode responder em liberdade. Para ministros, obrigatoriedade de prisão preventiva viola princípio da presunção de inocência. AGÊNCIA BRASIL, ZERO HORA, 10/05/2012 | 18h44 O Supremo Tribunal...

- ConvicÇÃo Pessoal - Pena Alternativa Para TrÁfico
Supremo discute pena alternativa para tráfico - Por Rodrigo Haidar, Congresso em Foco, 26/08/2010 O Supremo Tribunal Federal discutiu nesta quinta-feira (26/8) se legislador pode tirar do juiz o poder de, ao condenar uma pessoa, dosar a pena de acordo...

- JustiÇa ContraditÓria
Decisões contraditórias - 05/09/2010 - OPINIÃO, Estado de S.Paulo No mesmo dia em que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou um projeto que aumenta o rigor da punição dos autores de crimes hediondos, dentre os quais se...

- Pena Maior
ABUSO DE AUTORIDADE. Juristas pedem pena maior - ZERO HORA 22/04/2012 A comissão de juristas que discute no Senado a reforma do Código Penal aprovou proposta para endurecer as punições dos servidores públicos que tenham sido condenados por cometer...



Justiça








.