Justiça
ATIVISMO JUDICIAL
"Ativismo judicial faz parte da democracia" - Por Rafael Baliardo, correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos. Consultor Jurídico, 26/02/2011. ENTREVISTA: o economista norte-americano Albert Fishlow.
No Brasil, o ativismo judicial e a judicialização da política fazem parte do aprofundamento da democracia e da ampliação da sociedade civil. Não são apenas resultado de brechas na legislação, de acordo com o economista norte-americano Albert Fishlow, que há mais de 40 anos estuda o país. Nos Estados Unidos, compara, o número de processos não tem crescido no ritmo brasileiro e a Suprema Corte tem se tornado mais conservadora em temas importantes.
"Os sistemas de Justiça dos dois países caminham em direções opostas. Mas ambos reconhecem a importância de um Judiciário forte e independente para a manutenção da democracia", analisa o concorrido professor Fishlow em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico, que teve de retomar a conversa por diversas vezes e meios (telefone, e-mail, pessoalmente) para concluir a conversa sobre a atualidade política do país e o papel que o sistema Judiciário tem desempenhado nos últimos anos no Brasil.
Professor emérito da Escola de Relações Internacionais e Públicas da Universidade Columbia, de Nova York, Fishlow é um dos mais respeitados estudiosos estrangeiros dedicados a observar o nosso país. São os chamados brasilianistas, pesquisadores não-brasileiros cujo objeto de estudo, sob diferentes aspectos, é o Brasil [leia aqui sobre a genealogia dos brasilianistas e a recente tradição de estudos sobre nossa pátria].
As transformações da Nova República brasileira nas últimas duas décadas também foram discutidas na entrevista com o economista. As mudanças, de acordo com Fishlow, vêm ocorrendo em diferentes frentes e não partem de um contexto exclusivamente institucional ou estritamente de ordem econômica. Há um processo de transformação em curso que envolve diferentes atores, agentes e circunstâncias. Esta ideia é apresentada e detalhada em O Novo Brasil (editora Saint Paul, 288 pág.), livro lançado recentemente.
No início de 2010, Albert Fishlow enviou os originais de seu livro ao presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi um dos primeiros a ter acesso ao material. Em O Novo Brasil, o autor examina o processo de redemocratização dos últimos 25 anos e como o contexto político, as mudanças sociais e a consolidação da estabilidade econômica interagem entre si.
Durante a entrevista, Fishlow atribuiu ao Judiciário brasileiro o importante papel de agente da redemocratização. Mas fez ressalvas: “Seria um equívoco afirmar que o Poder Judiciário tem agora uma responsabilidade maior por conta do crescimento socioeconômico. Há muito ainda por ser feito no âmbito da reforma política. A continuidade do crescimento socioeconômico não está simplesmente assegurada dentro de um contexto de complexidade global e de prioridades internas diversas”.
Albert Fishlow, 75 anos, dedica-se a empreender pesquisas sobre o Brasil há mais de quatro décadas. Criou e foi diretor do Centro de Estudos Brasileiros e dirigiu o Instituto de Estudos Latino-Americanos, ambos da Universidade Columbia. Lecionou também na Universidade da Califórnia, em Berkeley (onde orientou o doutorado do ex-ministro da Fazenda Pedro Malan), e na Universidade Yale, quando dirigiu o Centro para Estudos Internacionais da instituição. O pesquisador deu aulas na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, e foi subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos EUA.
SUMÁRIO DA ENTREVISTA (A INTEGRA NA FONTE)
ConJur — O senhor esteve bastante ocupado em 2010. Entre outras coisas, finalizou um livro sobre o Brasil, certo? Poderia comentar algo sobre ele?
Albert Fishlow — O livro acaba de ser publicado. O Novo Brasil trata dos últimos 25 anos do país, enfocando os processos interativos de mudança política, reforma econômica, políticas sociais e relações exteriores durante este período. Conclui com um breve olhar para o futuro, voltado para a nova administração da presidente Dilma Rousseff. Espero que a obra contribua para o andamento das discussões sobre políticas que devem ser prioritárias nos próximos anos.
ConJur — O ativismo judicial passou a ser um fenômeno em curso no Brasil. Por conta de lacunas na legislação, muitas leis estariam defasadas em áreas vitais e imprescindíveis. A partir daí, o Judiciário brasileiro passou a ocupar esse espaço, atuando também como “propositor do Direito” para suprir o espaço deixado pelos legisladores. Muitos críticos dizem que isso resultou em uma judicialização excessiva da vida política e social do país. Nos EUA, o ativismo judicial não parece ser um problema. Como o senhor vê isso?
Albert Fishlow — No Brasil, o ativismo judicial ou a judicialização da política têm sido parte de um aprofundamento da democracia e ampliação da sociedade civil e não apenas como resultado de brechas na legislação. Nos Estados Unidos, o número de casos nos tribunais não tem crescido tão rapidamente como no Brasil, e o sentimento de muitos é que a Suprema Corte tem recuado em relação a decisões-chave tomadas no passado referentes ao fim da segregação em escolas e ao direito ao aborto. Uma questão jurídica crucial nos Estados Unidos é se terão sucesso em bloquear esta nova tentativa de promover o seguro de saúde universal. Então, nesse sentido, os sistemas de Justiça dos dois países caminham em direções opostas. Mas ambos reconhecem a importância de um Judiciário forte e independente para a manutenção da democracia.
ConJur — O senhor defende que o sistema Judiciário no Brasil tem exercido papel fundamental na consolidação da estabilidade democrática no país. Pode-se dizer que o Judiciário é um dos principais agentes neste momento de equilíbrio institucional e estabilidade socioeconômica no Brasil? Em casos pontuais, a estabilidade seria mais responsabilidade do Judiciário do que da classe política brasileira? Como o senhor avalia a atuação da Justiça brasileira nos últimos anos?
Albert Fishlow — Está claro que nos últimos anos uma postura de maior ativismo judicial tem prevalecido no Brasil. O número de ações judiciais tem crescido no país. Também é verdade, contudo, que um grau de consolidação, sem prejuízo da imparcialidade, foi infundido por meio da Emenda Constitucional 45 e da criação do Conselho Nacional de Justiça. Temos agora a aprovação explícita da Súmula Vinculante pelo Supremo no caso de consentimento por dois terços da composição do tribunal. Porém, seria um equívoco afirmar que o Poder Judiciário tem agora uma responsabilidade maior por conta do crescimento socioeconômico. Há muito ainda por ser feito no âmbito da reforma política. A continuidade do crescimento socioeconômico não está simplesmente assegurada dentro de um contexto de complexidade global e de prioridades internas diversas.
ConJur — Depois de anos estudando o Brasil, o que lhe parece mais peculiar ou surpreendente em relação à sociedade brasileira e sua organização política e econômica?
Albert Fishlow — Mudanças ocorridas com o fim definitivo da inflação, a expansão do comércio, a extensão de políticas sociais e a institucionalização progressiva do país, enfim, fenômenos que vimos nos últimos 20 anos. Mudanças que transformaram anteriormente o Brasil e provêm agora a base para um futuro muito melhor. Esses compromissos terão que ser sustentados. Possibilidades de riquezas originadas do petróleo do pré-sal podem ajudar nesse processo. Muito vai depender de melhorias na educação de base e média, que fortaleceria o capital humano e continuaria a reduzir o elevado grau de desigualdade de riqueza e de renda no país. E, claro, a violência social requer atenção, o que torna indispensável a garantia de segurança pública.
ConJur — Muitos concordam com o ponto de vista que uma das principais invenções da Constituição de 1988 é o papel e a posição que a Carta Magna estabelece para o Ministério Público. Esta ideia no Brasil é creditada como sendo sua. Como o senhor analisa a atuação do Ministério Público brasileiro nos últimos anos frente às mudanças políticas e sociais pelas quais passamos?
Albert Fishlow — O Ministério Público precede a Constituição de 1988, contudo, com esta, ganhou maior força por sua incorporação como uma agência independente. Nos anos subsequentes, o MP tornou-se uma presença marcante quando o assunto era meio ambiente, direitos do consumidor, a extensão de privilégios sociais. O MP não opera apenas na esfera federal, mas nos níveis estadual e municipal. Outros países também dispõem desta presença em três níveis, porém o Brasil caminhou mais, combinando a função da promotoria com um papel ativo e independente como defensor dos direitos coletivos.
ConJur — O senhor é um veterano no estudo sobre o Brasil. Como estudioso estrangeiro, arriscaria dizer qual é nosso pior vício e nossa melhor virtude?
Albert Fishlow — As virtudes são muitas, muitas, diversas: isto explica porque continuo ir ao Brasil com frequencia e porque preservo meu interesse no país. E o vício de sempre se remeter apenas como o país do futuro, e não em relação ao presente, está perdendo força.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O entrevistado começou afirmando que "os sistemas de Justiça dos dois países (Brasil e EUA) caminham em direções opostas. Mas ambos reconhecem a importância de um Judiciário forte e independente para a manutenção da democracia". O Consultor Jurídico aponta muito bem as origens deste "ativismo" ao descrevê-lo como "um fenômeno em curso no Brasil" que passou a ocupar espaço deixado pelos legisladores por "conta de lacunas na legislação" e "leis defasadas em áreas vitais e imprescindíveis", e que, segundo críticos, resultou numa "judicialização excessiva da vida política e social do país".
Infelizmente, o ativismo judicial, ao invés de cumprir a aplicação coativa das leis, só vem aumentando a morosidade e promovendo processos burocratas, divergências, contradições, várias interpretações, decisões via critério pessoal, medidas superficiais e inoperantes, benevolências e deliberações de cunho corporativos sem se indispor com a classe política.
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