O Estado de S.Paulo, 02 de setembro de 2013 | 2h 14
Carlos Alberto Di Franco O mais recente caso de proibição judicial ao trabalho jornalístico - o de que o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, publique informações sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Cleyton Camargo - reacende a síndrome da censura prévia no Brasil. Vamos aos fatos que serviram de gancho para o rebrotar da censura.
Em abril, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu investigação para apurar a suspeita de venda de sentença pelo desembargador Cleyton Camargo. A advogada de uma das partes de ação que ele julgou quando atuava como magistrado na área de Família o acusou de ter recebido dinheiro para decidir em favor da outra parte, num processo que envolvia disputa da guarda de filhos, em 2011. No mês passado, a Corregedoria do CNJ abriu outro procedimento, desta vez para investigar suspeita de que Cleyton Camargo teria usado sua influência para favorecer a candidatura do filho, o deputado estadual Fábio Camargo (PTB), à vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Fábio tomou posse no final de julho.
A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem publicadas no Correio do Povo foi concedida há um mês. No pedido o desembargador sustenta que "os fatos em notícia (...) vieram impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira". Pediu, ainda, que as reportagens fossem banidas do portal do jornal na internet. Quer dizer, censura prévia multiplataforma. Proíbe-se a sociedade de ter acesso à informação de indiscutível interesse público.
Sem prejuízo do meu sincero respeito pelas decisões do Judiciário, a censura prévia é uma bofetada na democracia. O controle ao jornal é mais um precedente gravíssimo. É importante que a sociedade reaja. Caso contrário, a violência judicial pode se transformar em rotina. E a democracia será apenas uma fachada. O Direito Constitucional aceita que o Judiciário possa punir quem se exceda na manifestação do pensamento, mas não permite que jornais sejam proibidos de publicar notícia, informação ou crítica.
Relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), de abril, aponta a preocupação com "a recorrência de decisões judiciais proibindo previamente a divulgação de informações pelos meios de comunicação". A SIP cita especificamente o caso do jornal O Estado de S. Paulo, que continua proibido de divulgar informações sobre processo contra um dos filhos do senador José Sarney.
"Entendo que liberdade de imprensa é, antes de tudo, liberdade de informação. Assim, tudo o que for veículo de informação deveria estar a salvo de qualquer censura", ponderou o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto. O decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, também um sensível defensor dos valores democráticos, foi igualmente direto e certeiro: "Nada mais nocivo que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre, essencialmente livre. Liberdade de imprensa concerne a todos e a cada cidadão. Esta garantia básica, que resulta da liberdade de expressão do pensamento, representa um dos pilares em que repousa a ordem democrática".
O que está em jogo, para além da garantia constitucional da liberdade de imprensa, é o direito que tem a sociedade de ser informada. É difícil imaginar que o Brasil possa superar a gravíssima crise ética que transformou amplos setores do serviço público num exercício de cinismo e arrogância sem ampla e plena liberdade de imprensa e de expressão. Por isso manifestações de representantes da mais alta Corte judicial são uma lufada de ar fresco na cidadania. O Brasil pode contar com a seriedade e o espírito democrático daqueles que têm por ofício interpretar o espírito e a letra da Constituição. A censura prévia foi enterrada com a ditadura. Felizmente. E um outro Brasil, aberto, plural e essencialmente democrático, aflorou dos cacos da repressão e do autoritarismo.
Além de inconstitucional, a liminar que censura o trabalho da Gazeta do Povo caminha na contramão do anseio de transparência no comportamento dos homens públicos que domina a sociedade brasileira. A experiência demonstra que a escassez de informação tem sido uma aliada da perpetuação da impunidade. É claro que os veículos podem e devem ser responsabilizados judicialmente por eventuais abusos cometidos na sua atividade noticiosa. Mas isso nada tem que ver com a permissão para a prática da censura prévia.
Não são, todavia, somente decisões judiciais equivocadas, mesmo por pouco tempo, que ameaçam a liberdade de expressão e de imprensa. Preocupa também, e muito, o controle da mídia por grupos com projetos de poder e perfil marcadamente radical e antidemocrático. A democracia cresce quando os meios de comunicação têm trajetória transparente. A defesa do Estado de Direito passa, necessariamente, por um compromisso claro e histórico com plataformas de informação. Pode-se concordar ou discordar da linha editorial das empresas de comunicação, mas há um valor inegociável: a transparência do negócio e o compromisso com valores éticos básicos. Jornalismo não é, e não deve ser, propaganda ideológica ou passaporte para ações pouco claras.
A confiança da população na qualidade ética da sua imprensa tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um autêntico jornalismo de qualidade. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da vida pública só tem sido possível graças à força do binômio da democracia: jornalismo livre e opinião pública informada. A censura, aberta ou disfarçada, é sempre um tiro na democracia.
*Carlos Alberto Di Franco é doutor em comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IISC). E-mail:
[email protected]
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