Justiça
A EXPERIÊNCIA URUGUAIA
ZERO HORA 17 de dezembro de 2013 | N° 17647
ARTIGOS
Ricardo Zamora*
O último discurso do presidente uruguaio José Pepe Mujica na Assembleia Geral da ONU chamou a atenção da opinião pública sobre a experiência dos dois sucessivos governos da Frente Ampla no nosso vizinho Uruguai. Com uma lógica irretorquível, Mujica, na melhor tradição do humanismo de esquerda, faz uma crítica demolidora ao modo de vida contemporâneo, ba-seado no consumo irracional e na destruição do meio ambiente; um modo de vida que atomiza os seres humanos, criando meios que se transformam em fins e só fazem gerar frustrações, violência e o aprofundamento da solidão das pessoas.
A força do discurso do presidente repousa em dois elementos importantes. O primeiro, é que Mujica é um homem simples, leva a vida pessoal de um uruguaio comum, mora numa “finca”, em uma casa modesta, próxima a Montevidéu, onde mantém pequenas culturas. Esse modo de vida, simples para os padrões de vida de qualquer chefe de Estado, empresta uma credibilidade e uma força moral impressionantes para o seu discurso. Mujica é, antes de tudo, um autêntico.
A experiência dos governos da Frente Ampla é o segundo elemento que dá força à crítica do presidente. Quando a esquerda chegou ao poder no Uruguai, em março de 2005, o país amargava elevados índices de pobreza: 39% de pobres, dos quais 5,47% eram extremamente pobres. O país vivia uma crise econômica que se estendeu por toda a década de 90 e o início da década seguinte. Os índices de desemprego, que haviam chegado a um recorde de quase 20% em 2002, estavam na casa dos 13%. No período precedente (1998-2004), o PIB havia recuado 10% e o valor dos salários havia caído 23%.
A partir do primeiro governo frenteamplista, o país aplicou um bem-sucedido programa de recuperação das fragilidades macroeconômicas, renegociou a dívida com os organismos multilaterais (FMI, Bird, BID), reformou o sistema tributário, introduzindo um até então inexistente imposto de renda para pessoas físicas, reformou o sistema de incentivos ao investimento produtivo e, com a melhora econômica obtida, investiu fortemente em políticas de qualificação do emprego, políticas sociais e de qualificação da saúde e da educação.
Os resultados obtidos são expressivos. Os índices de pobreza reduziram-se para 12,4% e a pobreza extrema para 0,5%, o desemprego oscila próximo a 6% com recuperação do poder de compra dos salários, a inflação está controlada e o país cresce de forma sustentável ao longo dos dois últimos governos.
A estabilidade econômica e política (a Frente Ampla possui maioria nas duas casas legislativas) permitiram que o país avançasse em outros temas, como a união civil homossexual e uma ousada política de combate ao tráfico de drogas.
A experiência dos governos da Frente Ampla uruguaia – que por sinal lidera as pesquisas de opinião para as eleições do ano que vem – merece atenção no contexto político do Mercosul. Trata-se da experiência de uma esquerda igualitária, democrática e atenta aos dilemas contemporâneos.
*ADVOGADO E CONSELHEIRO DA OAB/RS, LICENCIADO, MESTRE EM DIREITO PÚBLICO
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